
Presidente-executiva da ABAL, Janaina Donas analisa o papel estratégico do setor de tratamentos de superfícies, os impactos das políticas comerciais internacionais e os investimentos que reposicionam o alumínio brasileiro na agenda global da descarbonização.
Por Ana Carolina Coutinho
O mercado global de alumínio atravessa um momento decisivo, marcado por pressões internacionais, transformações tecnológicas e uma crescente demanda por soluções sustentáveis. Em meio a desafios como políticas tarifárias e competitividade assimétrica, especialmente da produção asiática, o Brasil busca consolidar suas vantagens competitivas – como a matriz energética limpa, a elevada capacidade de reciclagem e a baixa pegada de carbono – para ampliar sua presença nos principais mercados consumidores e impulsionar a cadeia produtiva do metal.
À frente da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) desde agosto de 2021, Janaina Donas lidera a entidade com uma visão estratégica, buscando aliar inovação, responsabilidade ambiental e fortalecimento institucional. Com MBA em Gestão Empresarial pela Ibmec Business School, e vasta experiência em assuntos corporativos, sua trajetória inclui atuação nos setores de mineração, metais e infraestrutura. Especialista em Relações Públicas, Gestão de Crises, Responsabilidade Social Corporativa, Assuntos Governamentais e Comunicação de Crises, Janaina tem promovido o diálogo entre indústria, governo e sociedade, com foco em políticas que valorizem o alumínio nacional e posicionem o Brasil como referência global materiais de baixo carbono.
Nesta entrevista, exclusiva, à Revista Tratamento de Superfícies, Janaina compartilha a visão da ABAL sobre o papel dos tratamentos de superfícies na cadeia do alumínio, avanços em sustentabilidade e inovação, aliados aos impactos das recentes medidas comerciais internacionais. Fala ainda sobre as prioridades da entidade para o fortalecimento do setor e os investimentos que reposicionam o alumínio brasileiro como protagonista na transição energética global; acompanhe.
Como o setor de Tratamento de Superfície é percebido no contexto da ABAL e da indústria como um todo?
Para o setor do alumínio, o segmento de tratamentos de superfícies é visto como uma etapa que agrega valor e versatilidade na cadeia de transformação. Além disso, o alumínio também pode receber numerosos tipos de acabamentos superficiais tornando-o apto a uma gama ainda maior de aplicações que requerem proteção ou acabamentos estéticos em níveis mais elevados. Vale ressaltar que o acabamento natural do alumínio é totalmente satisfatório, tanto em aparência como em durabilidade. Isso acontece porque, em contato com o ar, uma fina e invisível camada de óxido se forma instantaneamente, protegendo o metal contra futuras oxidações e conferindo ao alumínio alta resistência à corrosão. As aplicações de tratamento de superfície no alumínio estão presentes em todos os principais mercados consumidores da atualidade, como na construção civil, em bens de consumo, em embalagens, em automóveis, entre outros.
De que forma os processos de anodização, pintura, conversão química, entre outros, contribuem para inovação, desempenho e valor agregado para o alumínio brasileiro?
Esses processos elevam o padrão de qualidade do alumínio nacional, pois a imagem do alumínio é definida e fixada pelo acabamento aplicado sobre sua superfície. Esta é a constatação da importância dos processos empregados para essa finalidade, que determinam as características protetivas e/ou decorativas de alta durabilidade. A anodização, por exemplo, é um processo que produz uma camada superficial controlada de óxido, dura, resistente e com espessura muito superior à da barreira que naturalmente se forma no alumínio em contato com o oxigênio do ar. Dada a sua qualidade, é possível cobrir uma ampla gama de aplicações, algumas bastante específicas, como refletores e capacitores eletrolíticos, anodização brilhante para frisos, anodização em cores para ornamentos e utensílios domésticos, anodização técnica (dura) para peças que estão sujeitas ao desgaste por abrasão, e anodização para fins arquitetônicos da construção civil, como em janelas, portas e fachadas.
O revestimento orgânico, por sua vez, consiste na aplicação de verniz ou tinta, líquida ou em pó, na superfície do alumínio. Novas tecnologias permitem a fabricação de tintas especiais de elevada durabilidade e resistência a intempéries, permitindo acabamentos de extrema beleza decorativa e alto nível de flexibilidade de cores e texturas. Amplamente utilizada para reforçar a identidade de marca em produtos variados, como latas para bebidas, a aplicação de revestimentos orgânicos permite acabamentos bastante inusitados, como aqueles que conferem efeito madeira ou inox, permitindo a fiel reprodução desses materiais, mas preservando os atributos de sustentabilidade, baixo peso e elevada durabilidade do alumínio.
Há ainda os processos de conversão química, mais utilizados com finalidades protetivas ou como pré-tratamento para aplicação posterior de acabamento final, conferindo correta aderência além de aumentar a durabilidade do revestimento.
Como as recentes políticas tarifárias dos EUA e a competitividade asiática afetam a indústria brasileira de alumínio e, indiretamente, os segmentos especializados como o de tratamento de superfície?
Ainda que o Brasil represente uma fatia modesta das importações totais de alumínio dos Estados Unidos, o mercado americano se mantém como um destino estratégico para o setor. No primeiro trimestre de 2025, as exportações brasileiras de produtos de alumínio para os EUA cresceram 22% em volume e 7,2% em valor, em relação ao mesmo período de 2024, totalizando 22,2 mil toneladas e US$ 74 milhões (FOB). Com isso, a participação dos EUA no valor total das exportações brasileiras do setor subiu de 17,6% para 19,1%. A aplicação da tarifa compromete a competitividade do alumínio brasileiro frente a outros fornecedores internacionais. A produção asiática, por exemplo, possui custo mais baixo e maior capacidade industrial, o que assegura a países como a China maior competitividade e traz impactos significativos para a dinâmica de comércio. A ABAL chama atenção, especialmente, para os efeitos indiretos e estruturais da medida: o risco de desvios de comércio, a perda de participação de mercado e, principalmente, o comprometimento da cadeia nacional de reciclagem – uma das maiores vantagens competitivas do Brasil no segmento.
A utilização de práticas ESG faz com que o alumínio brasileiro seja considerado um aliado estratégico no cumprimento das metas de descarbonização dos principais mercados consumidores, com uma intensidade de carbono inferior em 3,3 vezes à média mundial. Diante desse cenário, a ABAL defende a substituição da tarifa por um sistema de cotas e tem dialogado com autoridades brasileiras para buscar alternativas bilaterais que preservem a competitividade do setor, garantam isonomia nas relações comerciais e fortaleçam o papel do Brasil como fornecedor estratégico de alumínio de baixo carbono no cenário global.
O que o Brasil pode fazer para transformar esse cenário em uma oportunidade?
Para transformar esse cenário em uma oportunidade, o Brasil deve fortalecer seus instrumentos de defesa comercial, dialogar com parceiros estratégicos e promover políticas que valorizem os diferenciais da sua indústria – como a sustentabilidade e o uso de energia limpa – tornando o alumínio brasileiro mais competitivo em um cenário internacional desafiador.
Como o setor de tratamentos de superfícies pode se alinhar às exigências globais de sustentabilidade, circularidade e conformidade ambiental?
O setor tem avançado na eliminação de substâncias nocivas, como o cromo, tornando-se mais competitivo e reforçando seu compromisso com a responsabilidade ambiental. Somado a isso, conceitos como “descarte zero” são aliados a partir da utilização de equipamentos para recuperação de produtos químicos, otimização de etapas de lavagem e reciclagem dos efluentes tratados. O desenvolvimento tecnológico constante é fator-chave para alinhamento às exigências globais de sustentabilidade, circularidade e conformidade ambiental. Esforços vêm sendo incorporados para melhorar o desempenho dos processos, reduzir custos e minimizar impactos – alinhando-se às exigências cada vez mais rígidas. Podemos citar o uso de tecnologias limpas, nanotecnologia, novas formulações de tintas, bem como o uso crescente de tintas a pó e de processos de anodização que eliminam compostos orgânicos voláteis.
Quais investimentos em tecnologia e processos vêm sendo observados na cadeia do alumínio com impacto direto nos tratamentos de superfície? Quais são as prioridades da ABAL para fortalecer os elos da cadeia?
Os investimentos em tecnologia no setor vêm crescendo de forma estratégica e consistente. Podemos destacar a automação em linhas de anodização e pintura, o uso de sensores para monitoramento de processos em tempo real, sistemas mais precisos para medição da camada de revestimento, nanotecnologia que permite a eliminação de substâncias nocivas, reaproveitamento de produtos químicos utilizados nos processos, entre diversas outras iniciativas ainda em fase de estudo. Esses investimentos fortalecem o alumínio como alternativa leve, sustentável e de alto desempenho. A ABAL prioriza a capacitação técnica e disseminação de conhecimento, com cursos, webinars e projetos educacionais. No campo normativo, atua por meio do Comitê Brasileiro do Alumínio (ABNT/CB-035), que estabelece diretrizes técnicas alinhadas a padrões internacionais e mantém normas nacionais atualizadas específicas para o setor.
Por fim, onde estão as oportunidades concretas para o alumínio no curto e médio prazo? Qual o papel da ABAL nesse cenário?
A indústria brasileira do alumínio irá concluir, em 2025, um ciclo de investimento de R$ 30 bilhões no setor, iniciado em 2022. Esses recursos estão sendo direcionados para diversas frentes estratégicas com foco no fortalecimento da indústria e na transição para uma economia de baixo carbono, e alocados na expansão da capacidade produtiva, modernização das operações e adoção de novas tecnologias sustentáveis, promovendo maior eficiência e competitividade para o alumínio brasileiro. Entre as principais iniciativas propostas pela ABAL, destacam-se a migração de combustíveis fósseis para fontes renováveis, ampliação e construção de novas usinas, retomada de capacidade produtiva e diversificação da matriz energética. Além disso, investimentos em soluções ambientais incluem redução do consumo de água, diminuição das emissões de gases de efeito estufa e novas tecnologias para conservação ambiental. A lista de projetos até o fim deste ano prevê investimentos da ordem de US$ 6 bilhões, reforçando oportunidades de crescimento e consolidando a posição estratégica do setor na transição energética global.
SOBRE A ABAL
Fundada em maio de 1970, a Associação Brasileira do Alumínio (ABAL) representa todos os elos da cadeia produtiva do metal, da mineração de bauxita às aplicações do alumínio, incluindo a sua reciclagem. Entre outras atividades, produz e divulga as estatísticas do setor, auxilia na elaboração e na aplicação de normas técnicas, gera e difunde conhecimento sobre o alumínio, incentiva seu uso, além de contribuir com a capacitação profissional do setor. A ABAL trabalha por uma indústria do alumínio cada vez mais competitiva, inovadora, sustentável e integrada.
O MERCADO DE ALUMÍNIO NO BRASIL
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Faturamento: R$ 135 bilhões, representando 5,6% do PIB industrial;
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Empregos: Mais de 500 mil postos de trabalho diretos e indiretos;
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Produção de alumínio primário: 1,022 milhão de toneladas – crescimento de 26% em relação ao ano anterior;
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Exportações: US$ 4,625 bilhões, com superávit comercial de US$ 2,693 bilhões;
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Reciclagem: 850 mil toneladas de alumínio reciclado – reforçando o compromisso com a sustentabilidade;
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Pegada de carbono: A intensidade carbônica do alumínio brasileiro é 3,3 vezes menor que a média global.
Esses números refletem a resiliência e a competitividade do setor, que continua a investir em inovação e sustentabilidade para atender às demandas do mercado global.
Para mais detalhes, acesse o perfil da indústria no site da ABAL:
https://abal.org.br/estatisticas/nacionais/perfil-da-industria/