Entre a vida acadêmica e a profissional. Do clássico à inovação; do tradicional à criatividade: conheça a trajetória de Marcos Rolando Piccilli
por Ana Carolina Coutinho Marcos Rolando PiccilliINSPIRAÇÕES
Marcos Rolando Piccilli vive em Minas Gerais, em Itajubá, uma cidade que é polo industrial, tecnológico e educacional. “A cidade tem perto de 96 mil habitantes, mas cerca de 8 mil universitários”, conta. Detalha ter muitas atividades de lazer, como ouvir música, principalmente ao vivo, mas uma de suas preferidas foi enormemente impactada pelo cenário mundial. “Adoro viajar com minha mulher a turismo, explorando lugares e culturas diferentes, assim como viajar profissionalmente. Como diz a família, minha casa não cai sobre minha cabeça. A pandemia freou um bocado esse ímpeto, mas ele está latente”.
Ele também compartilha a circunstância mais desafiadora que viveu: “Um ponto de inflexão foi virar avô. Minha filha, ainda grávida, ficou 10 dias na UTI em coma, com infecção generalizada. Felizmente tivemos um final muito feliz. Ambos estão muito bem. O bebê agora com dois anos me faz virar criança todo o tempo”. Piccilli, inclusive, é estudioso da psicanálise: “Isso se tornou uma nova paixão. O ser humano é a chave e a razão de tudo”, diz e continua: “Gosto muito de trabalhar pelo progresso do bem-estar da sociedade. O trabalho voluntário me inspira. Sou Rotariano há alguns anos”.
O executivo também é guiado por Stephen Covey, autor de ‘Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes’: “Desde muitos anos tem sido uma forte referência na minha vida”. Para terminar, ele revela seus objetivos atuais: “Preparar um sucessor que, certamente, irá fazer um grande trabalho. Deixar um legado de ter servido bem a empresa e a pátria. Contribuir com a minha comunidade. Viajar com a esposa e curtir os netos”, conclui.
Não é uma simples coincidência o trabalho de Marcos Rolando Piccilli estar relacionado com metais. O interesse está na família há gerações e compõe, sem dúvidas, o seu DNA. “Desde meu avô, a família mexeu com a área de metais. Meu avô foi representante comercial de usinas siderúrgicas e meu pai chegou a ter uma empresa pequena de sucatas e uma pequena fundição de ligas de cobre. Cheguei a trabalhar com ele como ajudante eventual. O gosto pela engenharia nasceu ali, do cheiro daqueles metais. Desde a adolescência queria fazer engenharia metalúrgica. Cursei o IMT-Mauá, entre 1980-1984, onde me formei”, conta. Sua formação acadêmia abrangeu, inclusive, a galvanoplastia, com sua dissertação de Mestrado, em Engenharia de Produção, pela UNIFEI, focada em Nitretação e que lhe abriu novas áreas de atuação. “Com isto , fui convidado e atuei como instrutor do Mestrado Profissional de Materiais, entre 2012 e 2015, lecionando a matéria de Tratamentos Térmicos de Metais. Procurei levar aos alunos a teoria desdobrada na prática. Isto trouxe uma proximidade muito grande aos alunos, que vinham de diferentes experiências – muitos recém-saídos da graduação. Até hoje, alguns me procuram para trocar ideias”, explica, satisfeito.
Na Mahle Metal Leve, gigante mundial que completa 100 anos em 2020, o executivo já atua há 35 anos. Sua história é iniciada na antiga COFAP, empresa adquirida pela multinacional em 1997. O próprio Piccilli detalha que ainda hoje atua no setor em que iniciou, na “divisão de componentes de motor. Comecei na área de engenharia de processos químicos e metalúrgicos, com foco em tratamento térmico, mas logo me envolvendo com galvanoplastia (cromo duro, estanhagem, fosfato, etc.), assim como os processos de metalização e nitretação e já, há quinze anos, também com as coberturas feitas com PVD”. Ele continua: “Desde a entrada na empresa, fiquei 13 anos na área de processos químicos e metalúrgicos, indo então para o centro de pesquisas, em 1998 e voltando após quatro anos para a engenharia de processos, onde estou. Gerencio essa área há 15 anos. Desde o início dos anos de 2010, minha área é a responsável global pela tecnologia de fabricação de anéis de pistão, dentro do grupo Mahle”, explica o executivo.
As revoluções com o cromo duro
O trabalho com o cromo duro é uma atividade de grande destaque para Picccilli. “Estive muito envolvido com cromo duro, principalmente entre 1990 até 2007, onde, desde o tempo COFAP, tínhamos uma equipe muito forte nessa tecnologia e três excelentes professores, Osamu Hanai, Aroldo Moleiro e Josias Raimundo – três profissionais que sabiam tudo de cromo –, além da convivência com excelentes experts, como Airi Zanini, Roberto Pedrini, Dr. Kenneth Newby (formulador dos banhos Heef) e Horst Alfes, na área de equipamentos galvânicos”.
Mahle divisão de componentes de motores Novas divisões da MahleAo cromo duro, inclusive, ele atribui não só uma das grandes revoluções da galvanoplastia – “o cromo duro compósito com partículas de cerâmica ainda é um marco em uso para resistência ao desgaste” – como um dos momentos mais relevantes de sua própria carreira, quando foi um dos responsáveis por desenvolver uma formulação exclusiva para a companhia: “No final dos anos 1990, estávamos desenvolvendo o compósito denominado ‘Cromo Cerâmico’, que foi licenciado à Mahle em um acordo com um concorrente. Porém as informações recebidas eram provavelmente da fase preliminar do produto e o banho galvânico atacava as peças e se degradava muito rapidamente. Nesse momento, em nosso laboratório piloto, com a compra dos reagentes separados, desenvolvemos uma formulação própria da Mahle, que resolveu os problemas que estávamos enfrentando, e se tornou uma receita exclusiva, foi um diferencial”.
Outro momento de grande relevância ocorreu do outro lado do mundo, na China, que, como já é comum ao país oriental, também ganhou o mundo. “Foi liderar e projetar, entre 2004 e 2007, a quatro mãos com um fornecedor chinês, todas as linhas galvânicas de uma nova fábrica da Mahle naquele país, bastante automatizadas. O projeto foi muito bem-sucedido, o que nos levou a instalar outas linhas iguais, no Brasil e no México”, conta o executivo.
Até hoje ele atua no exterior, em outras plantas pelo mundo, “coordenando projetos, visitando parceiros e fornecedores e, eventualmente, clientes. Temos um comitê global de tecnologia que, antes da pandemia, se reunia duas vezes ao ano, gerando muito aprendizado e troca de experiências”, diz. Ele revela que o Brasil tem importância mundial na produção dos produtos da Mahle, exportando mais da metade para a Europa, América do Norte e Ásia: “Atuo como gestor de engenharia, desde usinagem, tratamentos de superfície até projeto e construção de máquinas, com uma equipe ao redor de 50 pessoas. Nossa engenharia tem responsabilidade técnica global, envolvendo seis plantas que fabricam anéis de pistão na Europa, Américas e Ásia. Digo que passo boa parte do dia, e às vezes na madrugada, falando com elas, dando suporte, etc. O mesmo acontece com minha equipe de desenvolvimento e suporte”. E destaca: “Os materiais se diferenciam nos pequenos detalhes. Nosso produto tem que atender tolerâncias muito apertadas e de resistência elevada, por trabalharem dentro dos motores. Nosso rigor em desenvolver e controlar materiais é um forte diferencial dentro da Mahle. Temos bons parceiros em nível global”.
Claramente, a Covid-19 freou as viagens, contudo, trouxe novos e diferentes aprendizados. “Temos trabalhado seguindo muitos protocolos de distanciamento social e segurança dos colaboradores desde o início da pandemia. Isso exigiu todo um aprendizado e mudanças de hábitos. O mercado está ainda bastante incerto e retomando a produção devagar. Nosso mergulho no momento é como sermos ainda mais eficazes. O mercado mostra sinais de desejar produtos duráveis, simples e com menor custo. A criatividade tem que sobressair neste momento, quando investir é proibitivo, porém, subsistir e prosperar se faz urgente. Apoie as pessoas da equipe, cuide para deixá-las bem respaldadas e permita a criatividade fluir”, aconselha.
Sendo comum aos executivos que perduram em seus mercados, também é natural para Piccilli enxergar uma crise como um desafio. “A crise nos faz sair da zona de conforto e inovar”, reflete. Imagine, porém, o seu impacto em uma empresa global como a Mahle. Ele explica: “As crises podem ser encaradas como um momento de dor ou de desafio para o crescimento. Sempre preferi o segundo. Nos momentos de crise temos buscado sempre a superação com o desenvolvimento do processo de fabricação de novos produtos ou melhoria de eficiência e custo dos processos vigentes. Até agora temos sido bem-sucedidos”.
Brasil em foco
Piccilli destaca que, apesar de para a companhia o Brasil ser um dos polos fabris mais importantes internacionalmente, a estratégia é agir localmente: “Temos que fazer bem feito as nacionalizações”, enfatiza, explicando o protagonismo nacional: “O Brasil faz os melhores motores 1.0L do mundo - por exemplo, coberturas de anéis resistentes ao desgaste feitas por PVD e agora com DLC que simula o diamante. Temos sempre introduzido o que há de mais novo para os motores nacionais”. E mesmo atuando à frente na produção, em termos de instituir tendências, o país ainda é pouco mais lento; à exemplo dos carros autônomos: “Para o Brasil os carros autônomos ainda estão um pouco mais distantes. O carro elétrico ou híbrido vai chegar forte ao longo da década nas grandes cidades. Mas o Brasil é continental, o motor à combustão interna ainda tem vida longa e da fonte de energia à roda; nosso etanol é credor favorável em CO2... Agora, a Mahle já estabeleceu uma divisão de eletrônica embarcada e estamos globalmente na corrida”, admite.
Produção de cromo duro compósito com cerâmica Aplicação de Nitreto de cromo por PVD em anéis de pistão“O tratamento de superfície está presente em tudo. Na resistência das peças e na, muito visível, estética. O consumidor compra sonhos e beleza, antes de tudo e o tratamento de superfícies desempenha um papel fundamental na estética”
Por outro lado, o executivo destaca uma característica da indústria de TS no Brasil: o gosto do brasileiro pela beleza, principalmente no segmento automotivo.
Falando sobre tendências, o cromo duro volta a fazer parte do futuro de Piccilli, que espera uma nova revolução pelo processo, como revela: “Há uma busca muito forte por produzir cromo duro com boa espessura, na faixa de 100 mícron, oriundo do cromo trivalente”. Ele também antecipa alguns cenários para o setor: “Muito PVD e DLC, para resistência ao desgaste. Para os revestimentos, nanotecnologia também é uma revolução em andamento. Já as coberturas feitas com PVD vieram para ficar. Compósitos com cromo ou níquel tem sido uma alternativa”, diz. Já para a indústria é enfático ao apontar as transformações que estão por vir: “Foco em redução de custo e defeito ‘zero’, tudo muito apoiado pela ‘internet das coisas’ e indústria 4.0”, ressalta e revela sua visão surpreendente sobre o que aprendeu com tantos anos de indústria: “Como atuamos numa empresa global, com clientes de primeira linhada área da mobilidade, é como ser técnico de um time de futebol da 1ª divisão. Jogo ganho vira estatística do passado. No momento seguinte precisamos estar preparados e focados para o próximo jogo. Não há espaço para perder jogos seguidos. Mas uma coisa é certa, aprendemos todos os dias. A disposição diária para o aprendizado nos leva adiante”. É o conselho ofertado por ele ao executivo fabril no país: “Aprender, todos os dias!”.