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Entrevista com Dr. Rodnei Bertazzoli


Entrevista TSTS 236 22 de julho de 2023 | Por: Portal TS
Entrevista com Dr. Rodnei Bertazzoli

 

Dr. Rodnei Bertazzoli: “Projetos de P&D de caráter tecnológico têm como objetivo primordial gerar soluções inovadoras”

 

 

Fundador do Laboratório de Engenharia Eletroquímica, LEE, Dr. Rodnei Bertazzoli, fala sobre as novidades em P&D na área de Eletroquímica e como as pesquisas e as novas tecnologias trazem oportunidades também para o setor de tratamento de superfícies, seja para a produção de eletrodos como para a prevenção à corrosão

 

 

“A grande novidade em Eletroquímica é a transição energética rumo à descarbonização da mobilidade e da indústria. Esse é o presente e o futuro da pesquisa na área”

 

 

Por Ana Carolina Coutinho, colaborou Pedro de Araújo

 

Uma aula sobre o presente e futuro da Eletroquímica com foco nas oportunidades que envolvem tratamento de superfície, é isto o que se pode dizer da entrevista desta edição. O Dr. Rodnei Bertazzoli é graduado em Física pela Unicamp, com Mestrado e Doutorado em Engenharia Mecânica, área de Engenharia de Materiais, pela mesma instituição, com Pós-Doc na University of Southampton-UK. Já há mais de três décadas atua no Laboratório de Engenharia Eletroquímica, LEE, da Unicamp, centro de pesquisa que ajudou a fundar, em 1987. Desde então, patentes foram registradas e muitas pesquisas publicadas. Nesta entrevista, Dr. Bertazzoli compartilha uma fascinante perspectiva sobre a crescente tendência de fabricantes de eletrizadores para síntese de hidrogênio na Alemanha e Holanda, que estão optando por adquirir ou se fundir com empresas especializadas em galvanoplastia para impulsionar a produção de eletrodos. Além disso, conta diferentes casos ocorridos no LEE que levaram à criação de startups e outros com destaque comercial. Ao revelar detalhes instigantes sobre os projetos conduzidos pelo laboratório, fica evidente a importância vital da pesquisa na garantia de um futuro promissor para a indústria, bem como sua intrínseca ligação ao desenvolvimento de qualquer setor. “Novas demandas exigem desenvolvimento e soluções inovadoras. Isso move a pesquisa”, assevera. Acompanhe.

 

O Laboratório de Engenharia Eletroquímica, LEE, iniciou suas atividades, em 1987, com o desenvolvimento de projetos de pesquisa na área de Corrosão e Eletrodeposição de Ligas Metálicas, por que esses temas demandaram a criação do laboratório na época? E, qual a razão de ter sido criado na Faculdade de Engenharia Mecânica?

O LEE teve origem a partir de um convênio de P&D celebrado entre a antiga Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a UNICAMP, na segunda metade da década de 1980. O objetivo estabelecido entre as partes, o Centro de Pesquisa da CSN e as Faculdades de Engenharia Mecânica e de Engenharia Química, era a criação de um grupo de P&D para estudos dos processos eletrodeposição de metais e ligas metálicas assim como para o desenvolvimento de técnicas de caracterização analítica de revestimentos. Um dos objetivos da CSN com o acordo era contar com um centro onde seus colaboradores pudessem receber treinamentos e formação em nível de pós-graduação. O convênio perdurou até pouco antes da privatização da CSN, em 1990. A Faculdade de Engenharia Mecânica era a sede do Programa de Pós-Graduação envolvido no convênio e do laboratório que foi montado para atender aos objetivos do projeto. Por essa época, dez pesquisadores desenvolviam seus projetos de pós-graduação, entre os quais eu me incluo. Por essa razão, o laboratório ficou sediado na Faculdade de Engenharia Mecânica.

 

São quase 40 anos de atuação do laboratório, com muitas teses publicadas e patentes homologadas, quais foram os projetos mais importantes desenvolvidos? Por quê?

O projeto mais importante, onde obtivemos o maior êxito, foi o dos recursos humanos que formamos. Foi sempre muito gratificante liderar um grupo de pesquisa criativo e motivado. Hoje são engenheiros e químicos que se tornaram pesquisadores e professores, e estão trabalhando em empresas, laboratórios de pesquisa e universidades. Eles continuam ‘pregando a palavra’ em Eletroquímica. Enquanto ciência geradora de tecnologias, a Eletroquímica assumiu um protagonismo importante na transição energética rumo redução das emissões de carbono. Os processos eletroquímicos são responsáveis pela produção de combustíveis verdes, insumos para a indústria química, pilhas e baterias automotivas, células a combustível. É preciso ressaltar que a eletrodeposição também tem um papel importante na produção de revestimentos de catalisadores para esses processos.

 

Dentre todas as pesquisas, houve alguma que surpreendeu pelo resultado/desenvolvimento inusitado?

Tivemos duas situações de resultados surpreendentes. A primeira trouxe um impacto imediato e estimulou a abertura de novas áreas de atuação, como o desenvolvimento de reatores eletroquímicos em escala piloto. A inspiração partiu de um produto que já era usado industrialmente. A indústria de cloro e soda estava mudando o processo de produção, eliminando o mercúrio e introduzindo anodos de óxidos condutores depositados sobre titânio, mas a composição do revestimento de óxidos era calibrada para a produção de cloro. Nos nossos processos, precisávamos de dois tipos de anodos: um que gerasse muito oxigênio para despolarizar a célula eletroquímica e outro que idealmente não gerasse oxigênio, facilitando os processos de oxidação como a remoção de poluentes orgânicos de efluentes aquosos. Levou um ano para chegarmos nas composições adequadas e que pudessem operar a 30 A/dm2. Esse material viabilizou, além dos reatores eletroquímicos para tratamentos de efluentes, o eletrogerador de peróxido de hidrogênio, que estão descritos nas mais de 20 patentes registradas pelos autores do grupo de pesquisa. A segunda situação veio de uma proposta de uma empresa que buscava disseminar o uso do óxido de etileno na eletrossíntese de outros produtos de maior valor agregado. Esse foi um desafio porque se tratava de um reagente gasoso. Desenvolvemos um reator com eletrodo poroso para a difusão do gás. Quando estava tudo pronto, decidi fazer os primeiros testes com uma molécula mais simples. A escolha recaiu sobre o metano que, na oxidação, geraria metanol, o que de fato aconteceu. Era só um teste e os resultados ficaram na gaveta por 13 anos. O inusitado dessa situação é que nunca poderíamos imaginar a relevância que esse processo iria adquirir nos dias de hoje, onde o biometano produzido nas regiões rurais, além de combustível, é matéria-prima para a eletrogeração de hidrogênio e metanol, entre outros produtos.

 

Comercialmente falando, qual foi o projeto de maior impacto? Para qual área?

Creio ser necessário fazer uma observação antes de responder. Projetos de P&D de caráter tecnológico têm como objetivo primordial gerar soluções inovadoras. Porém, a dinâmica do mercado é a da busca permanente por soluções para as suas dores e necessidades. É possível que inovações criativas não atendam de imediato essa condicionante enquanto outras venham de encontro à demanda daquele momento. Exemplo disso é o processamento eletroquímico do metano, conforme já citei. Respondendo à pergunta, a inovação de maior importância comercial veio de um desenvolvimento paralelo a um projeto de recuperação de ródio de gancheiras da indústria de semijóias. A proposta era de reuso do metal como sal de ródio no processo de deposição. Paralelamente desenvolvemos um processo de extração por solventes para purificar o sal obtido até atingir o grau catalisador. O produto, de maior valor agregado, foi direcionado para um mercado mais demandante, dependente de importação, numa época de cotação muito desfavorável da nossa moeda em relação às outras.

 

Nessas quatro décadas, qual é a história sobre a sua atuação no laboratório que você não esquece?

Nos anos 2000 já tínhamos registrado várias patentes. Decidimos então, um pesquisador do laboratório e eu, abrir uma empresa e fazer o licenciamento de um grupo delas. Oficializamos a startup perante a UNICAMP e participamos do Programa de Inovação em Pequenas Empresas (PIPE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, para o desenvolvimento de protótipos e aprimoramento do plano de negócios. O órgão de inovação da época na universidade era o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), hoje o Inova Unicamp. Era uma experiência nova para todo mundo e o NIT não tinha incubadora ainda. Decidiu-se, com as devidas autorizações, que a startup seria incubada no Laboratório de Engenharia Eletroquímica onde ficou por um tempo como laboratório/empresa. Assim, nascia a primeira empresa spin-off da Unicamp. Hoje são mais de mil empresas-filha da Unicamp.

 

Em sua trajetória profissional, desenvolveu alguma atividade em empresa privada de eletroquímica ou indústria? Conte-nos sobre a sua experiência fora da academia.

O contrato de docente da universidade pública exige dedicação exclusiva. Antes dessa condição, fui sócio de uma empresa de galvanoplastia, à qual deixei ao ser contratado na universidade. No regime de dedicação exclusiva, ao docente, é permitido ser sócio cotista ou proprietário de empresa privada desde que não ocupe posições de gerência, administração ou exerça o comércio. Nessa condição fui sócio de uma startup, conforme já destaquei. É permitido ao docente exercer até oito horas por semana de atividade de consultoria, atividade que exerci ativamente através da Fundação da Unicamp e hoje pela empresa RB Consultoria (http://rbertazzoli.com.br).

 

 

Como o Sr. enxerga a formação do profissional químico no Brasil? Qual a nossa maior força e maior deficiência?

Durante toda a minha carreira tenho desenvolvido projetos e colaborado com colegas da Química, uma convivência enriquecedora. Frequento simpósios e congressos no Brasil e no exterior na área de Eletroquímica, e tenho publicado muitos artigos em revistas de Química. Entre os meus orientados houve um bom balanço entre engenheiros e químicos. Mas eu não sou químico e as minhas opiniões sobre a formação de profissionais da química são mais observações pessoais. Já há anos observa-se a inclusão de disciplinas tecnológicas nas grades curriculares dos cursos de química, atendendo às demandas do mercado de trabalho. Hoje, já há a possibilidade de escolher pelo Bacharelado em Química Tecnológica. Creio que esse é um dos pontos fortes: o Brasil forma hoje profissionais para o ensino e pesquisa, e também profissionais para a indústria, ambos de excelente nível. No entanto, o perfil de profissionais demandado pelo mercado de trabalho tem mudado numa velocidade que a adaptação das grades curriculares não tem conseguido acompanhar. Por exemplo, inovação, empreendedorismo e negócios ainda estão fora do escopo dos cursos de Química. Eventualmente, a iniciativa de tomar contato com esses temas fica por conta do estudante, que pode procurar disciplinas dessas áreas em outras unidades de ensino da universidade usando os poucos créditos eletivos que sobram nos currículos, entre tantas disciplinas obrigatórias. Essa deficiência não deve perdurar por muito tempo.

 

Para quem tiver interesse, é permitida a atuação de não alunos? Como proceder para pleitear uma vaga no laboratório?

A formação de pesquisadores é um processo dinâmico, em ciclos de renovação, com duração de dois anos para o mestrado e de três a quatro anos para o doutorado. Ao todo 45 pesquisadores já obtiveram seus títulos desenvolvendo projetos sob minha orientação. Dependendo da fonte de financiamento de cada projeto, é possível agregar mais dois auxiliares, em geral, um técnico e um aluno da graduação. Alguns projetos demandam pesquisadores já formados e com doutorado, são os pós-Docs, e doze deles já passaram pelo LEE. Os não-alunos podem participar na condição de alunos especiais no Programa de Pós-Graduação. São profissionais que se matriculam apenas nas disciplinas do seu interesse, que possam contribuir na sua carreira. Se houver disponibilidade de tempo, podem também participar das atividades do laboratório.

 

Muitas empresas ainda trabalham sem o profissional químico, apesar de precisarem tê-lo; como aproximar a indústria do profissional químico?

Aproximar a indústria do profissional em Química pode ser uma tarefa desafiadora, mas creio ser esse um caminho de mão dupla. Requer também aproximar as instituições educacionais da indústria, o que é outra tarefa desafiadora. É necessário estabelecer parcerias entre as empresas e universidades e escolas técnicas. Isso pode incluir programas de estágio, bolsas de estudo, cursos de capacitação ou até mesmo a inclusão de atividades didáticas e práticas específicas nos cursos para atender as necessidades da indústria. Nessa aproximação, é importante manter uma forma continuada de interação mediante a organização de palestras, eventos e workshops que destaquem as necessidades das empresas e o que as instituições de ensino podem oferecer para que sejam atingidos resultados de melhorias de processos, de procedimentos analíticos, controle de qualidade, redução de custos e aumento de produtividade.

 

Corrosão e Eletrodeposição de Ligas Metálicas ainda são o principal foco de pesquisa no laboratório? Quais os principais temas de pesquisa hoje?

Esse tema nunca deixou de ser um dos focos da pesquisa. De alguma forma ele está presente em todos os outros temas onde a Eletroquímica pode dar a sua contribuição hoje. Nesta época, em que uma das pautas mundiais é a transição energética para a descarbonização da mobilidade e da indústria, a Eletroquímica é a grande protagonista do processo batizado como Power-to-X, ou seja, qualquer processo onde se possa usar a eletricidade renovável como fonte de elétrons para reações que resultem em X, onde X são vetores energéticos ou combustíveis. A Eletroquímica está nas baterias para eletrificação da mobilidade, células a combustível, eletrizadores para produção de hidrogênio e amônia verdes, etc. Evidentemente que, em todos esses processos, corrosão é uma preocupação permanente. Além disso, são necessários revestimentos com composição adequada para catalisar as reações. Não por acaso, os fabricantes de eletrizadores para a síntese de hidrogênio na Alemanha e Holanda estão adquirindo ou fazendo fusões com empresas de galvanoplastia para a produção dos eletrodos.

 

Qual a grande novidade em eletroquímica? Nessa perspectiva, qual mercado será o maior beneficiado pela pesquisa e qual o futuro/tendência da área?

Como já adiantado, a grande novidade em Eletroquímica é a transição energética rumo à descarbonização da mobilidade e da indústria. Esse é o presente e o futuro da pesquisa na área. Como resultado da transição energética, o mercado está em transformação de muitas formas. A energia solar fotovoltaica e eólica estão em ascensão como fontes de energia renováveis com a adição de dezenas de gigawatts, anualmente, no Brasil. Materiais, infraestrutura e serviços para viabilizar o funcionamento das placas solares e dos geradores eólicos geraram um mercado em expansão. Essa energia vem para que a eletroquímica possa produzir combustíveis verdes e o excedente para ser comercializado no mercado livre de energia elétrica. Os eletrolisadores, com seus materiais construtivos, armazenamento e logística de transporte geram novas oportunidades de negócios na produção de hidrogênio, a maior parte destinada à exportação. Tudo isso deve gerar demandas na indústria de tratamento de superfícies. Com a eletrificação da mobilidade, via baterias recarregáveis ou células a combustível, não deve ser diferente. Novas demandas exigem desenvolvimento e soluções inovadoras. Isso move a pesquisa.

 

Uma das inovações produzidas pelo LEE: Reator Eletroquímico para a remoção de metais de águas de lavagem de galvanoplastia

 

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