Remando contra a maré de competitividade na indústria química global
por Rodrigo Más, sócio da Bain & Company
Poucos percebem a importância da indústria química nas nossas vidas e como praticamente tudo que utilizamos no nosso dia-a-dia tem algum produto químico contido. É a indústria que supre outras com insumos e matérias primas e, por essa razão, é uma das maiores do mundo. Segundo a Oxford Economics, a indústria química representa cerca de 8% do PIB global da indústria de transformação e é responsável pelo emprego de cerca de 120 milhões de profissionais.
O Brasil está entre os 10 maiores produtores químicos globais. Entretanto, a indústria química brasileira não cresce há mais de uma década, fazendo com que o aumento da demanda brasileira por produtos químicos seja basicamente atendida por importações. De fato, em 2020, o Brasil atingiu 27% de importações líquidas em relação a demanda nacional por produtos químicos. Já a China e a Índia, países em desenvolvimento e em franco crescimento econômico, precisam importar apenas entre 3 a 4% de produtos químicos para suprir suas necessidades, enquanto a Coréia do Sul e a Alemanha são exportadoras líquidas de 14 e 23% de suas respectivas demandas domésticas.
O Brasil dispõe de diversas matérias-primas essenciais para a indústria química: já exportamos petróleo; passaremos a ser autossuficientes em gás natural em poucos anos; lideramos a produção de insumos renováveis como açúcar, etanol e celulose, que deverão protagonizar crescimento substancial na cesta global de matérias-primas para a indústria química, na busca de soluções com baixa pegada de carbono.
A demanda de produtos químicos no Brasil se aproxima dos US$120 bilhões de dólares ao ano, o que, por si só, justifica uma indústria local. Com toda a matéria-prima disponível, em teoria, bastaria “só” conectar as pontas. Mas, na prática, vem sendo muito difícil viabilizar essa conexão. Em uma indústria globalizada como a química, tudo é relativo, e o Brasil possui desvantagens competitivas em relação a outros países. Quando são feitas as análises de viabilidade, dificilmente a conta fecha e os investimentos produtivos acabam sendo feitos primordialmente em outros países.
Alguns exemplos ilustram o desafio de forma concreta. A nafta, matéria-prima importante para a indústria petroquímica, foi em média 14% mais cara no Brasil do que na Europa em 2019. O gás natural, outra matéria-prima fundamental, teve custo no Brasil similar ao da Alemanha em 2020, mas custou o dobro do gás natural negociado nos Estados Unidos. A energia elétrica também é outro gargalo: o custo médio no Brasil foi 31% acima da média de Alemanha, Índia, Coréia do Sul, China e Estados Unidos em 2020.
A carência de infraestrutura logística também afeta a competitividade brasileira. Produtos químicos são transportados de forma mais eficiente por modais dutoviários ou ferroviários. O Brasil ainda não apresenta densidade suficiente desses modais em relação a outros grandes produtores químicos. Por exemplo, a extensão ferroviária por área territorial no Brasil (já descontando as áreas ocupadas por florestas) é entre 2 a 5 vezes menor do que países como EUA, Índia e China.
O custo do dinheiro emprestado por empresas químicas no Brasil também é superior aos de seus competidores internacionais. Avaliando os balanços de dezenas de empresas de capital aberto no ano de 2021, as empresas brasileiras pagam por seus empréstimos entre 2% e 4% ao ano a mais do que empresas químicas chinesas, coreanas, indianas e norte-americanas. Vários desses países, inclusive, viabilizam linhas de créditos com custos abaixo da inflação para as empresas químicas locais.
Para piorar a situação, os maiores competidores do Brasil na indústria química (China, Índia, Coréia do Sul, Estados Unidos e Alemanha), sem exceção, reconhecem a importância estratégica do setor. Todos esses países dispõem de políticas públicas que estimulam o desenvolvimento e a defesa de suas indústrias químicas. As políticas escolhidas variam, buscando endereçar lacunas específicas de competitividade, fortalecer vantagens competitivas estruturais e direcionar o desenvolvimento de segmentos da indústria química considerados mais estratégicos.
Ao olharmos para o futuro do Brasil, conseguimos vislumbrar tendências positivas, como os esforços de fortalecimento da infraestrutura brasileira e a aprovação da Nova Lei do Gás, ambas potencialmente estimulando melhorias de competitividade. Por outro lado, a única política pública brasileira específica para a indústria química brasileira, o REIQ (Regime Especial para a Indústria Química), está sob ameaça de extinção. Sem o REIQ, a carga tributária associada à compra de diversas matérias-primas químicas será elevada e colocará as empresas brasileiras em situação competitiva ainda mais desvantajosa em relação às importações de outros países.
Não há uma direção clara para endereçar as lacunas de competitividade impostas. Como consequência, a perspectiva futura da indústria química no Brasil é de continuidade da tendência histórica já observada, com as importações ganhando cada vez mais importância e a indústria local já instalada lutando para sobreviver. Reverter esse quadro irá requerer, necessariamente, o reconhecimento da indústria química como estratégica, visão de longo prazo e esforço integrado de planejamento em torno de projetos de desenvolvimento concretos e políticas públicas viabilizadoras.