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Terra, água, fogo e ar

A história da química é intrínseca à evolução da humanidade. Conheça detalhes dessa jornada que uniu a Natureza, o Homem e a Química, transformando-a na ciência que conhecemos hoje

TS 236Ponto de Vista 22 de julho de 2023 | Por: Portal TS

Pedro de Araújo é Consultor Galvanotécnico e Ambiental com 41 anos de experiência

 

 

 

Não aconteceu num tempo muito distante... e durou até 1662.

Considerando o último período de 12 mil anos da nossa linha do tempo, naquela época, com população estimada abaixo de 1 milhão, a humanidade lentamente percebia tudo o que existe baseada em quatro elementos naturais: terra, água, fogo e ar; entretanto, somente por volta de 490 a.C. é que Empédocles sintetizou o pensamento de vários filósofos gregos, como Thales de Mileto e outros, e estabeleceu a percepção de seus ancestrais como sendo esses elementos os constituintes da matéria.

Os quatro elementos da natureza eram associados aos estados físicos da matéria:

Terra → Sólido; Água → Líquido; Ar → Gasoso; Fogo → Plasma.

E, em 440 a.C., o filósofo grego Leúcipo fez conjecturas sobre o átomo, com afirmação da composição da matéria por minúsculas partículas, e seu aluno Demócrito postulou que cada átomo é um universo fechado, completo, fatos que antecipariam o conceito de átomo.

Pouco tempo depois, por volta de 360 a.C., Aristóteles anunciou a sua teoria a respeito de um novo elemento, ‘celeste’, que considerou primordial e foi denominado de ‘éter’, para o qual definiu a existência dos quatro elementos fundamentais de Empédocles acrescidos das qualidades: úmido e seco; quente e frio; que, agrupadas, duas a duas, produziam os citados elementos e fundamentavam suas explicações sobre cosmogonia.

O homem, primitivo e observador, encontrou aos poucos supostas respostas aos seus questionamentos existenciais desde os primórdios dos tempos: Quem Sou? Onde estou? De onde vim? Para onde vou? Entretanto, tais questionamentos são os mesmos para a humanidade atual, ainda com poucas respostas inquestionáveis.

Dessa forma, o homem primitivo explorou primeiro a terra, depois a água, em seguida, o ar, e, finalmente, descobriu o fogo. Em sua busca, descobriu cores, sabores, texturas, sensações, emoções, que foram seus motivos para criar, explorar, processar, obter resultados – bons e ruins –, e perseverar para atingir objetivos e continuar sua árdua evolução em um planeta primitivo repleto de tudo, perigoso para todos os seres vivos.

Sem meios e métodos previamente estabelecidos, movido pela necessidade de sobrevivência, pela observação dos hábitos de outros animais, o homem foi descobrindo, aos poucos, a composição de cada um dos elementos naturais que ele reconheceu em seu meio.

Descobriu a utilidade das rochas que eram lascadas quando submetidas ao atrito entre elas e que resultavam em formas úteis para coleta e caça. Em seguida, descobriu misturas, primeiro de terra com água, que resultava em pastas para serem moldadas e que, após de serem submetidas ao calor do sol e ação do ar, secavam, podendo ser usadas como primeiros objetos, logo aprimorados sob a ação do fogo, que lhes conferia maior dureza e resistência, tornando-as, muitas vezes, impermeáveis.

Novas ferramentas foram produzidas após diferentes tipos de terras, rochas e metais trabalhados. Observaram que a junção e união de todos os elementos sempre resultava em algo útil para suprir suas necessidades, assim, foram se aprimorando durante os milênios.

Juntavam-se em pequenos grupos, comunicavam-se por sons, sinais, gestos e imagens registradas, nas paredes de suas cavernas, por meio de diferentes pigmentos obtidos de plantas, terras e rochas.

Ao adoecerem, descobriram nas plantas o alívio para tratar parte de suas dores,  também no calor do fogo ou no frio da água, nas argilas, na fermentação natural, enfim, suas descobertas aconteciam lentamente e passavam a proporcionar à humanidade alguma condição melhor para sobrevivência. Em 50 a.C., o médico grego Pedanius Dioscorides, em seu livro ‘De Matéria Médica’, considerado o primeiro tratado de farmacologia, descreveu aproximadamente 600 plantas e 1.000 drogas originárias no Mediterrâneo.

Assim, desde os primórdios, viveram os seres humanos a modificar seu meio através de sua ação advinda do conhecimento que acumularam dos elementos naturais.

Quando éramos 170 milhões de habitantes

Terminam a Idade da Pedra e a Idade Antiga (4000 a.C - 476 d.C) com domínio do fogo; a Idade dos Metais conhecendo ouro, prata, cobre, estanho, enxofre, ferro, chumbo, bronze, antimônio, escrita, vidro, cerâmica, linho, petróleo, cal, cimento, couro, açúcar e sal. Na Idade Média, aprimoram a organização socioeconômica de seus grupos e territórios, evoluindo pela Idade Moderna até chegar na Idade Contemporânea.

Segundo o Museu de História Natural dos Estados Unidos, a população da Terra atingiu a marca de 170 milhões de habitantes no ano 1 d.C.

Os elementos químicos e a Química, sempre estiveram presentes no cotidiano da humanidade de forma direta ou indireta, entretanto, não utilizavam tais denominações. Descobertas e invenções importantes  como o papel no ano 105 pelos chineses; e os livros e estudos de Zózimo de Panápoles, egípcio, por volta do ano 300, que definiu a Alquimia – e a ele pode-se atribuir a origem do nome: ‘Ciência Química’. Alquimistas, como o iraniano Abu Musa Jabir Ibn Hayyan (Geber),  por volta de 350, descobriram o ácido acético; chineses, nos anos 700, descobriram a porcelana, e a pólvora no ano 1000; entre outras descobertas.

Na Inglaterra, o monge franciscano, filósofo, matemático, astrônomo e músico, Roger Bacon, em 1257, estabeleceu a estrutura do método experimental para validar experiências, pesquisou nitrato de potássio e determinou a composição aproximada da pólvora.

 

O óleo de vitríolo

Por volta de 1300, temos a ‘descoberta’ do ‘óleo de vitríolo’ por alquimistas europeus medievais, na verdade, conhecido há dezenas de séculos, era o ácido sulfúrico. A detecção do etanol, por Arnau Villanova, alquimista espanhol, ocorre naquela mesma época.

Por volta de 1500, a população mundial estava em torno de 430 milhões e o universo conhecido era limitado aos continentes do Velho Mundo. Conhecida como Era dos Descobrimentos, a exploração marítima foi o marco daquele tempo e o motor do aumento demográfico, da miscigenação étnica e experienciação.

Naquela época, a compreensão dos elementos que constituem a matéria e o domínio dos materiais já estavam bem avançados entre os alquimistas, que geralmente tinham formação em Medicina, Filosofia Natural ou Matemática. Nesse cenário temos Paracelso, alquimista, teólogo, filosofo e médico suíço, introdutor da corrente alquímica conhecida por Iatroquímica (química e medicina), combinação baseada em três elementos: sal (solidez) + mercúrio (volatilidade) + enxofre (combustão), para tratamento de doenças com administração de substâncias químicas, principalmente mercúrio, iodo, enxofre, arsênio, etc. É considerado o ‘pai da toxicologia’. “Todas as substâncias são venenos, não há nenhuma que não seja veneno. A dose certa diferencia veneno e remédio”, disse ele. Se considerarmos que grande parte dos elementos químicos estão presentes no corpo humano, teremos melhor compreensão da afirmação de Paracelso.

Engenhos de açúcar, usinas de ferro, fábricas de papel, de tecidos, de corantes, de vidro, etc., começaram a ser instaladas em vários continentes, inclusive no recém-descoberto continente americano.

Em 1597, a Química começa a ser ensinada de forma mais ordenada nas universidades com a publicação do primeiro livro alemão de ensino da Química: ‘Alchymia’, pelo médico, químico e professor, Andreas Libavius.

A velocidade das descobertas aumenta na época: em 1620, na Inglaterra, passam a usar coque obtido do carvão mineral; em 1625, Grauber descobre o sulfato de sódio e o permanganato de potássio, além de projetar destiladores de baixo custo.

 

1662, o ano em que tudo mudou

O evento que estabeleceu as distinções entre alquimia e química é atribuído ao cientista irlandês Robert Boyle, em 1662, com o fim do conceito aristotélico dos quatro elementos naturais e também declinando conceitos de Paracelso. Boyle provou que o ar é uma mistura de gases fundamental à vida e à propagação dos sons. Sua principal contribuição com o estudo dos gases, confirmada em 1676 de forma independente pelo francês Édme Mariotte, resultou na Lei dos Gases ou Lei de Boyle-Mariotte. Dentre outras contribuições, Boyle também foi precursor da noção de elemento químico.

Por volta de 1700, haviam cerca de 585 milhões de humanos; em 1800, 910 milhões; e, em 1900, chegamos à marca de 1,6 bilhão. Nestes duzentos anos, tivemos grandes contribuições da química para a humanidade, grande parte da prática atual.

Milhares de eventos protagonizados por físicos, químicos, matemáticos, médicos, engenheiros, inventores, entre outros, principalmente do Velho Mundo, marcaram a evolução, organização, normatização e uso da química em benefício da humanidade a partir de 1700.

Sem desmerecer qualquer um dos grandes nomes da química, em 1789, a história dessa ciência tem um divisor de águas com o trabalho do químico francês Antoine-Laurent Lavoisier, denominado, o ‘Pai da Química Moderna’, sendo assim considerado ao publicar o ‘Tratado Elementar de Química’, com sistematização da nomenclatura química.

 

Na Galvanoplastia

Destacam-se, a seguir, alguns eventos com significativa importância para a química da galvanotécnica.

A descoberta da pilha, por exemplo, aconteceu nos idos de 1800, após disputa entre o físico italiano Alessandro Giuseppe Antonio Anastasio Volta com o médico e físico Luigi Galvani.

Embora existam objetos datados pelas descobertas arqueológicas de 3000 a.C., com revestimentos metálicos e celas galvânicas encontradas no Egito, a descoberta, de fato, da pilha galvânica situa o marco da história da galvanotécnica. Colaborador de Volta, em 1800, o químico italiano Luigi Valentino Brugnatelli realizou experimentos de eletrodeposição de prata, zinco, mercúrio e cobre (precedendo, em pouco tempo, o trabalho do físico alemão Joahn Wilhelm Ritter). Brugnatelli, usando uma solução de sulfato de cobre, obteve a redução de cobre no cátodo de uma cela galvânica – na mesma época, há outros registros de experimentos realizados por vários pesquisadores com eletrodeposição. Luigi Valentino Brugnatelli é considerado o inventor da galvanoplastia.

Em 1800, na Inglaterra, William Nicholson, físico e químico, juntamente com Anthony Carlisle, médico anatomista, registrou, pela primeira vez, os resultados do experimento com eletrólise da água, observando a liberação de oxigênio e hidrogênio nos eletrodos.

No ano de 1827, o físico e matemático alemão Georg Simon Ohm publicou resultados de seu trabalho de condutividade da corrente elétrica: as Leis de Ohm.

Em 1832, o físico e químico britânico Michael Faraday estabeleceu as bases científicas para a eletroquímica e publicou as leis da eletrólise, as Leis de Faraday. Ele é considerado um dos mais importantes pesquisadores de todos os tempos devido à sua enorme contribuição para a eletricidade, eletromagnetismo e eletrólise. A eletroquímica é governada pela Lei de Ohm e pelas Leis de Faraday. A partir de ambas as descobertas, o termo eletrólise passou a ser usado e a ciência da eletroquímica se desenvolveu ao atual Estado da Arte que conhecemos.

No século 20, com estabelecimento da indústria de veículos movidos à combustão, com a aviação, a ocorrência de duas guerras mundiais, a popularização do uso do telefone, do rádio e da televisão, da miniaturização da eletrônica, da corrida espacial, da Guerra Fria, avanço da medicina e da biotecnologia, advento da tecnologia nuclear, industrialização dos alimentos, e tantas outras inovações, impulsionaram o desenvolvimento tecnológico da eletroquímica, resultando em milhares de patentes de processos galvanotécnicos, de fabricantes de processos e de prestadores de serviços de revestimentos metálicos, um retrato dos dias atuais.

 

O que vem depois?

Segue o raciocínio de evolução demográfica da humanidade no planeta: em 1950 – 2,5 bi; 1960 – 3,02 bi; 1975 – 4,06 bi; 1987 – 5,04 bi; 1999 – 6,06 bi; 2011 – 7,07 bi; 2023 (junho) – 8,04 bi; estimativa para 2037: 9 bi; e para 2051: 10 bi.

Infelizmente, nessa perspectiva, há uma questão tecnológica crucial a se resolver: permitir acesso a toda a população mundial a condições de vida digna. No relatório ‘Financiando o Desenvolvimento Sustentável 2023’, a ONU estima que, em 2023, um recorde de 339 milhões de pessoas precisará de ajuda humanitária, ou seja: 1 em cada 23 habitantes do planeta. Outro relatório do mesmo ano, ‘Pobreza e Prosperidade Compartilhada’, do Banco Mundial, estima que até 2030, cerca de 600 milhões de pessoas enfrentarão dificuldades para viver com menos de US$ 2,15 por dia. Quando se trata da componente principal do corpo humano, a água, atualmente mais da metade da população mundial vive sem acesso a água potável e outros recursos de saneamento básico.

Precisa-se reverter essa disparidade tecnológica! Como profissionais da química, temos obrigação de trabalhar para que nosso semelhante tenha uma vida digna em qualquer parte do planeta. Ao contrário, de nada adianta uma inovação tecnológica que produzirá benefício e riqueza para, apenas, pequena parcela da humanidade.

Sem química, sem químicos, nenhum objeto construído pelo homem, tal qual conhecemos hoje, existiria.

Sem o trabalho de pesquisa no campo da eletroquímica dos últimos 223 anos, viveríamos atualmente como na Idade Média.

Para os químicos que leem estas linhas, e mesmo para os profissionais do setor, o que diferencia é o peso das escolhas para se trabalhar na constante, e incansável busca para benefício da sociedade, pois ao contrário, de nada adiantará reter riqueza e conhecimento em um planeta onde se consome mais do que o dobro da capacidade de ele recuperar seus recursos naturais, e, pior, apenas para uso de uma parte pequena da humanidade.

Precisamos, através da química e do nosso cotidiano, rever conceitos, ações e realizar a igualdade das condições de vida sustentável para todos. Vivemos no mesmo planeta usufruindo dos mesmos elementos naturais contidos na TERRA, ÁGUA, FOGO E AR, não importa como vamos classificar os seus componentes.

 

Pedro de Araújo é Consultor Galvanotécnico e Ambiental com 41 anos de experiência. Professor, autor, pesquisador autônomo e inventor, é Pós-Graduado ‘Latu-Sensu’ em Auditoria e Perícia Ambiental - Unicesumar - Maringá-PR. Pós-Graduado em MBA em Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável - Unicesumar - Maringá-PR. Tecnólogo em Gestão Ambiental - Unicesumar - Maringá-PR. Técnico Químico - ETECAP - Campinas-SP.

Dirige a empresa PA8 Consultoria e Mentoria Galvanotécnica e Ambiental.

 

Contatos:

pdearaujo64@gmail.com

Tel: 11 98516.2717

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