Foi Paixão à Primeira Vista-Portal TS

Por Ana Carolina Coutinho

Mais que uma carreira, a Química foi para Odair Destro um caminho de descobertas e de partilha. Ao longo de mais de cinco décadas, ele uniu conhecimento técnico, curiosidade e sensibilidade para transformar processos, formar profissionais e tornar‑se uma referência em eletrodeposição.

É com esse espírito que Odair Destro se refere à Química, área em que atua há mais de 50 anos com dedicação e profundo senso de propósito – uma trajetória marcada pela curiosidade, compromisso e, sobretudo, pelo desejo de compartilhar conhecimento.
Nascido na capital paulista, filho de pais de origem italiana e espanhola, ele cresceu no ABC, região que seria o berço de sua vida profissional. Desde menino ajudava o pai na marcenaria e na tapeçaria, mas foi ao passar diariamente diante da Escola de Química Industrial do ABC que percebeu seu verdadeiro chamado. “Havia um desejo inato de estudar química”, lembra.
O primeiro passo veio cedo, aos 16 anos, quando ingressou como ajudante de laboratório em uma empresa francesa de tintas gráficas. Logo iniciou o curso técnico em Química e, a partir daí, trilhou uma jornada de aprendizado contínuo.
Trabalhou brevemente na fabricação de móveis de aço e na indústria petroquímica até encontrar seu verdadeiro rumo, em 1975, ao ingressar na Oxford Tintas e Vernizes. Lá, como supervisor de laboratório na área de eletrodeposição, permaneceu por 19 anos – período decisivo para consolidar sua formação técnica e gerencial. Paralelamente, cursou licenciatura e bacharelado na Faculdade Oswaldo Cruz e, depois, concluiu o curso de Atribuições Tecnológicas para obter o diploma de Químico Superior.

Esta foto marca o início da trajetória de Destro na PPG, quando ingressou na empresa por meio da joint venture com a AkzoNobel, em 1994.

A virada na carreira: da Oxford à PPG

Em 1994, sua trajetória deu um novo salto: foi convidado para trabalhar na PPG do Brasil como gerente de eletrodeposição. “A PPG foi a companhia que detinha o maior e melhor know‑how tecnológico globalmente. Foi nessa época que minha vida deu um salto quântico, seja de responsabilidade bem como de capacitação tecnológica”, afirma.
Durante quase 30 anos na empresa, Destro atuou em muitos setores e foi responsável pelas áreas de pré‑tratamento, eletrodeposição e adesivos selantes para toda a América do Sul. Sua atuação envolveu projetos complexos, contato direto com montadoras internacionais – norte‑americanas, europeias e asiáticas – e viagens constantes a centros de tecnologia ao redor do mundo.
O desafio de atender simultaneamente clientes de culturas e exigências tão distintas foi um dos marcos de sua carreira. “Os projetos exigiam muito tempo de dedicação, desde entender o escopo até a posta em marcha das diferentes instalações de pintura”, explica. Com o tempo, a convivência com diferentes equipes e clientes consolidou em Destro uma visão estratégica abrangente. “Foi importante trafegar por todas as diferentes áreas, seja da própria PPG como dos diferentes clientes e seus projetos. Sempre foi decisivo estar à frente de todas as questões técnicas, comerciais e logísticas. O gerente de produto tem em sua figura um representante de alto grau de capacidade e responsabilidade para que riscos sejam minimizados ou inexistentes”, reforça.
Destro acrescenta: “A PPG foi, sem dúvida, a empresa que me ofereceu todo o suporte necessário para meu aprimoramento do conhecimento técnico, a nível de produtos, instalação e processos de utilização”.

Uma vocação para ensinar

Ao longo da carreira, o executivo manteve uma característica constante: o prazer em ensinar e compartilhar conhecimento. “Importante citar que nunca passou pela minha cabeça mudar de área – isto é, da técnica para a comercial –, o que é reconhecido como procedimento normal no mercado de atuação. Isto porque sempre busquei aprender ensinando, formando pessoas que, assim como eu, queriam crescer e saber como tudo funcionava”, explica.
Essa disposição em ensinar e aprender ao mesmo tempo marcou profundamente sua trajetória; ele mesmo relata: “Trabalhei com profissionais de alto gabarito técnico e de conhecimento, que muito contribuíram para eu chegar até o topo da minha função”.
Para Destro, o conhecimento só tem valor quando é compartilhado. “Se perguntarem no mercado quem te ensinou a conhecer a área de eletrodeposição, bem como tratamento de superfícies, posso afirmar que meu nome estará em praticamente todas as pessoas que trabalharam comigo. Isto é motivo de muito orgulho para mim”, disse.

Comemoração dos 50 anos da tecnologia E‑Coat – “Eu estava lá”.

Reunião de formuladores E‑Coat PPG França.

Odair ministrou o curso de pintura no EBRATS 2018.

A nova fronteira dos revestimentos

Com autoridade de quem viveu a transformação da indústria desde a década de 1970, Odair Destro é testemunha e protagonista das principais revoluções na tecnologia de pintura automotiva. “Nos anos de 1970, trabalhávamos com eletrodeposição anódica à base de óleos minerais e polibutadieno. Na década seguinte, iniciamos a conversão para sistemas catódicos à base de epóxi e poliuretano desbloqueado, formando sistemas emulsionáveis.”
Entre as grandes evoluções que acompanhou, cita com precisão técnica: “Reduzimos VOC, eliminamos o chumbo, aumentamos o peso molecular dos polímeros, diminuímos a espessura externa sem perda de penetração e reduzimos o tempo e a temperatura de cura.” Mais recentemente, destaca a transição do fosfato tricatiônico para sistemas nanocerâmicos, sem perda de desempenho químico, mecânico ou anticorrosivo.
Destro acredita que o futuro do setor está na inovação orientada à sustentabilidade. Ao tratar desse tema, o executivo fala com a naturalidade de quem viveu meio século acompanhando – e conduzindo – revoluções tecnológicas. “Esse tema é muito abrangente a ser considerado, e aqui foi a minha praia de ação e estudos”, introduz.
Segundo ele, a busca pela qualidade assegurada ainda percorre desafios que precisam ser endereçados. “Uma combinação de aplicação de pintura com sistemas de melhor sustentabilidade e mobilidade está em pauta nas empresas de revestimentos”, explica. Destro observa que os clientes estão cada vez mais atentos à origem e ao impacto dos produtos. “Os clientes estão aumentando sua seleção de produtos que oferecem vantagens sustentáveis e melhorias incrementais em valor e desempenho”, destaca, lembrando que essa tendência global acompanha o aumento da consciência ambiental do consumidor.
Para Destro, essa mudança representa uma oportunidade ímpar de inovação, abrindo espaço para diferenciação em mercados altamente competitivos. “A inovação orientada para a sustentabilidade na indústria de tintas, revestimentos e produtos especiais deve ter uma visão completa do ciclo de vida, concentrando‑se em mais do que apenas criar produtos”, afirma.
Ele ressalta que a sustentabilidade exige repensar todo o processo industrial, desde o design até o descarte: “As empresas precisam ser capazes de reagir com agilidade às necessidades dos clientes, mudando a forma como os produtos são projetados, fabricados, aplicados, reutilizados e reciclados”. Destro explica que os produtos com vantagens sustentáveis podem gerar eficiências operacionais tanto para fabricantes quanto para clientes, “por meio da redução do uso de energia, resíduos e água”. O uso de matérias‑primas recicladas ou de origem biológica “pode reduzir a intensidade de carbono do produto e o custo das matérias‑primas”, explica.

Testes práticos de E‑coat realizados no laboratório da AkzoNobel, na planta de Tintas Ypiranga.

Processo de launch ou enchimento de tanque de E‑coat da Peugeot Palomar, na Argentina.

Pilares estratégicos

Destro reforça que “novos métodos de aplicação e processos de reciclagem no fim de vida são oportunidades de transformação para redefinir o custo e a intensidade de carbono da conversão de revestimentos em superfícies”; mas faz um alerta: “Na maioria dos mercados, as vantagens sustentáveis por si só não serão suficientes para incentivar os clientes a fazerem a mudança. Elas precisam estar associadas ao desempenho e serem precificadas de acordo com o valor que geram”.
Com base nessa visão, ele elenca cinco pilares estratégicos que devem nortear a indústria nos próximos anos:

Revestimentos inteligentes – vão além da função estética e agregam propriedades como autolimpeza, regulação térmica e resistência à corrosão.
Reciclagem e economia circular – foco em desenvolver revestimentos que facilitem a reutilização de substratos e incorporem matérias‑primas recicladas.
Gestão regulatória de produtos químicos – frente à crescente complexidade das normas globais.
Avaliações do ciclo de vida (LCA) – essenciais para medir e reduzir impactos ambientais ao longo da existência do produto.
Pegada de carbono (PCF) – usada como atributo competitivo e diferencial de mercado.

Essas frentes “podem redefinir a maneira como a indústria se posiciona diante dos desafios ambientais, transformando a sustentabilidade em vetor de valor, e não em custo”, destaca.
Ele acrescenta que as metas corporativas já estão traçadas: “Até 2030, existia como meta atingir 50 % das vendas de produtos com vantagens sustentáveis. No final de 2024, o valor ficou menor que o calculado”, comenta, reconhecendo que o caminho é longo, mas irreversível.

Encontro Seminário na UFPE sobre inovações tecnológicas.

Para atingir essas metas, ele explica que é preciso integrar metodologias sustentáveis ao desenvolvimento de produtos desde o início: “A avaliação de tecnologia inovadora e diferenciada ajuda os pesquisadores a desenvolverem um portfólio de produtos com vantagens sustentáveis que atendam às necessidades dos clientes e se alinhe às metas de crescimento”.
Ao citar exemplos, Destro destaca principalmente o revestimento E‑coat de baixa cura, que considera um marco de inovação sustentável: “É um revestimento epóxi catiônico de alto desempenho projetado para oferecer vantagens sustentáveis por meio de maior produtividade nos setores automotivo e industrial. Este tipo de produto oferece melhor desempenho de corrosão, temperaturas de cura mais baixas, emissões reduzidas de CO₂, menor consumo de água e maior resistência à corrosão”.
Ele acredita que o futuro das tintas está na convergência entre eficiência e responsabilidade ambiental: “A sustentabilidade deve ser a base da inovação, impulsionando o desenvolvimento de produtos e práticas que atendam às demandas de um mercado em constante mudança”, conclui.

Equilíbrio entre vida pessoal e trabalho

Casado em 1978, pai de quatro filhos e avô de quatro netos, Odair Destro sempre valorizou a família como alicerce de sua trajetória: “A carreira e a vida são uma questão de equilíbrio entre família e trabalho: se você apenas trabalhar, perderá a família; se não trabalhar, também”.
Aposentado da carreira executiva, mas não da vida profissional, ele segue atuando como consultor técnico nas áreas de pintura e de tratamento de superfícies. Movido pela curiosidade que sempre o acompanhou, concluiu recentemente uma nova graduação, em Educação Física; ele explica: “Resolvi mudar a rota de voo das exatas para as humanas para entender melhor o que posso fazer para ajudar as pessoas a se conhecerem e a desenvolverem o que têm de melhor”.
Com mais de 50 anos de atuação, Odair Destro é lembrado por colegas e clientes não apenas pela competência técnica, mas pela capacidade de inspirar e desenvolver pessoas: “Considero o material humano o melhor investimento. Poder ajudar a desenvolver cérebros e criatividade é o que melhor me define”.
Entre as referências que marcaram sua carreira, cita com gratidão Peter Molzer, gerente geral da Oxford, e Thomas Palaika, diretor técnico da PPG em Cleveland, Estados Unidos: “Foram meus professores e maestros, mesmo quando nem sempre tínhamos todos os recursos disponíveis”, diz.
Na vida pessoal, busca inspiração na fé e na gratidão. “Devemos dar condições para os profissionais, investir naquilo que de fato pode fazer toda a diferença em nossa vida e no resultado que o investidor deseja.”
Citando Napoleon Hill e W. Clement Stone, acrescenta: “A nossa mente possui um grande poder mágico para realizar desejos. Ela é dominada por duas forças que se contrapõem: atitude mental positiva e atitude mental negativa. Enquanto uma atitude mental negativa rouba a sua capacidade de se tornar um realizador, uma atitude mental positiva atrai sucesso, prosperidade, saúde, felicidade e riqueza. Todos, sem exceção, somos capazes de obter o resultado que desejamos, com a ajuda de Deus sempre nos oferecendo a oportunidade da vida. Gratidão acima de tudo e de todos…”.
Hoje, ao olhar para trás, Destro enxerga uma trajetória construída com trabalho, curiosidade e amor pelo que faz. “Entender o que é a vida e seu verdadeiro propósito é um trabalho árduo, mas é nele que está a chave para a felicidade”, finaliza.