
Sandra de Jesus B. Travassos
Doutora, Engenheira Metalúrgica – Departamento de Engenharia Metalúrgica e Materiais, Escola Politécnica, Universidade de São Paulo - USP.
Email: stravassos29@gmail.com
Célia R. Tomachuk
Professora Doutora, Química – Departamento de Ciências Básicas e Ambientais, Escola de Engenharia de Lorena, Universidade de São Paulo - USP.
Email: celiatomachuk@usp.br
A formação e o desenvolvimento da pátina em aços patináveis como alternativa sustentável para construção civil, com benefícios estéticos, redução de custos de manutenção e menor impacto ambiental em áreas urbanas.
RESUMO
Este trabalho descreve a formação e desenvolvimento da pátina em aços patináveis, destacando seu potencial como tratamento de superfície natural e sustentável para a construção civil, especialmente em áreas urbanas. Explora os fatores ambientais que influenciam tanto a formação quanto a eficácia da pátina, além de abordar os benefícios estéticos e sustentáveis que os aços patináveis oferecem. Ao eliminar a necessidade de aplicação de pinturas ou revestimentos protetores, os aços patináveis não apenas reduzem os custos de manutenção, como também representam uma solução ecologicamente viável, minimizando impactos ambientais associados ao uso de produtos químicos.
ABSTRACT
This work describes the patina formation in weathering steels, highlighting their potential as a natural and sustainable surface treatment for civil construction, particularly in urban areas. It explores the environmental factors that influence both the formation and effectiveness of the patina and addresses the aesthetic and sustainable benefits provided by weathering steels. By eliminating painting or protective coatings application, weathering steels not only reduce maintenance costs but also represent an ecologically viable solution, minimizing environmental impacts associated with the use of chemical products.
INTRODUÇÃO
Os aços patináveis, amplamente utilizados na construção civil, representam uma alternativa sustentável e eficiente no tratamento de superfícies metálicas, destacando-se em relação aos métodos tradicionais que dependem de tratamentos químicos. São conhecidos como aços COR-TEN® – acrônimo das palavras ‘corrosion resistance’ (resistência à corrosão), tensile strength (resistência à tração) – ou como aços aclimáveis (weathering steel). Esses materiais desenvolvem, de maneira natural, uma camada protetora, conhecida como pátina, quando expostos a ciclos de molhamento e secagem, que confere elevada resistência à corrosão, eliminando a necessidade de pintura ou de tratamentos superficiais.
Dado o crescente foco da indústria em soluções ambientalmente responsáveis, a pátina se destaca como uma abordagem inovadora para a proteção de superfície, oferecendo vantagens tanto funcionais quanto estéticas. Este artigo explora como a formação da pátina em aços patináveis pode beneficiar a indústria, promovendo resistência à corrosão, baixa manutenção e redução de impactos ambientais, especialmente em ambientes urbanos desafiadores como os da cidade de São Paulo.
2. MECANISMO DE FORMAÇÃO DA PÁTINA
O mecanismo de formação da pátina nos aços patináveis envolve uma sequência de reações químicas que resultam na transformação gradual dos óxidos de ferro na superfície do aço.
Inicialmente, ocorre a dissolução do ferro metálico (Fe) na forma de íons Fe²+, que, em seguida, passam por hidrólise para formar FeOH+. Esses íons são oxidados para γ-FeOOH (lepidocrocita), que, com o passar do tempo, e em decorrência dos ciclos de molhamento e secagem, se dissolvem parcialmente e precipitam como um oxihidróxido férrico amorfo (FeOx(OH)3-2x). Essa fase amorfa se transforma em α-FeOOH (goethita), que cria uma barreira densa contra agentes corrosivos, assegurando a resistência à corrosão do aço patinável.
3. COMPOSIÇÃO E EVOLUÇÃO DA COR DA PÁTINA
Os aços patináveis, quando expostos à atmosfera, desenvolvem inicialmente uma camada de cor amarelo-alaranjada. Sob condições de exposição adequadas, após cerca de 3 meses, a camada evolui gradualmente para marrom acastanhado. E, após um período de 2 anos, para uma cor marrom escura, conforme mostrado na Figura 1 (Travassos et al., 2019). As alterações de cor refletem a formação de diferentes fases de óxidos e oxihidróxidos de ferro.
Figura 1 - Evolução da cor da pátina formada em amostras de aço patinável expostas na estação de corrosão do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), na cidade de São Paulo, ao longo de 2 anos. Fonte: Travassos et al., 2019.
A transição de fases, como a da lepidocrocita (γ-FeOOH) para a goethita (α-FeOOH), sugere um processo de desenvolvimento de compósitos mais estáveis à medida que as condições ambientais variam (Misawa et al., 1974). Além disso, a presença de diferentes fases de óxidos de ferro pode influenciar as propriedades eletroquímicas do material, alterando sua reatividade com o meio ambiente e, consequentemente, sua resistência à degradação. Assim, estudar essas transformações é vital para o desenvolvimento de materiais mais resistentes e para a compreensão dos processos de corrosão em elementos estruturais metálicos.
Estudos realizados por Travassos e colaboradores (2019) sugerem que a goethita (α-FeOOH) encontra-se preferencialmente nas camadas mais internas da pátina, apresentando uma estrutura globular, refinada e densa, conforme observado na Figura 2, onde um aumento de 200.000x evidencia sua natureza compacta e mais protetora. A camada externa, constituída predominantemente de lepidocrocita (γ-FeOOH), é mais espessa e possui uma estrutura laminar e aberta, visível na mesma figura com aumento de 25.000x.
Figura 2 - Microscopia eletrônica de varredura (MEV) da pátina formada em uma obra de arte exposta por 16 anos na cidade de São Paulo. (a) Camada externa - composta predominantemente por lepidocrocita (γ-FeOOH), com microestrutura laminar, porosa e aberta, 25.000x; (b) Camada interna - composta por goethita (α-FeOOH), com microestrutura mais refinada, globular e densa, 200.000x. Fonte: Travassos et.al, 2019.
4. FATORES AMBIENTAIS E EFICÁCIA DA PÁTINA
A eficácia da camada de pátina na proteção contra a corrosão depende de diversos fatores, como a composição química do aço, as condições ambientais e o tempo de exposição. Em atmosferas urbanas e industriais, a pátina se forma mais rapidamente e apresenta maior densidade, criando uma barreira eficaz contra a corrosão. Ambientes que apresentam ciclos regulares de molhamento e secagem, e com níveis moderados de umidade relativa e temperaturas amenas, são ideais para o desenvolvimento de pátinas protetoras em aços patináveis.
Por outro lado, altos níveis de poluentes, como SO₂ e cloretos, podem comprometer a proteção ao ativar processos corrosivos, conforme sugerido por Panossian (1993). O Quadro 1 resume os principais requisitos climáticos e ambientais para a formação de uma pátina eficaz, destacando a importância da presença controlada de poluentes (como o SO2) e a ausência de cloretos.
Além das condições de umidade e secagem, a quantidade de chuvas também desempenha papel importante. Enquanto a umidade moderada favorece o desenvolvimento da pátina, chuvas intensas podem prejudicar o processo, promovendo a lavagem da superfície e resultando na dissolução de parte da pátina já formada. Isso pode levar à formação de camadas mais finas e de granulação mais grosseira, comprometendo sua eficácia protetora.
Fonte: Panossian, 1993, adaptado.
Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), as condições climáticas são favoráveis à formação de pátinas protetoras, especialmente em aços como o COR-TEN®. Os ciclos de molhamento durante o verão e secagem no inverno contribuem para a estabilização da pátina, tornando-a mais densa e aderente. A presença moderada de poluentes, como o SO₂, auxilia na formação de uma camada protetora, enquanto a baixa concentração de cloretos, em razão da distância do mar, favorece a uniformidade da pátina, garantindo uma proteção mais eficiente e duradoura contra a corrosão. Essas condições climáticas e seus efeitos são discutidos nos estudos adicionais de Travassos, Tomachuk e De Melo (2019).
5. APLICAÇÕES SUSTENTÁVEIS E CONSIDERAÇÕES PRÁTICAS
Além de sua função protetora, a pátina possui características únicas e um valor estético amplamente apreciado por artistas e arquitetos. A aparência rústica e atraente da pátina, combinada com a resistência mecânica do substrato e efeito protetor contra a corrosão da camada desenvolvida, torna os aços patináveis uma escolha popular em aplicações estruturais na construção civil, como pontes, viadutos, passarelas e edificações em geral.
No Brasil, o uso de aços patináveis em obras de engenharia e arte remonta a mais de 50 anos, com exemplos notáveis que se destacam pela durabilidade e estética (Travassos; Tomachuk; De Melo, 2016). Na cidade de São Paulo, o aço patinável está presente tanto em aplicações estéticas quanto funcionais. A passarela Miguel Reale, também conhecida como Passarela Cidade Jardim, é um exemplo de estrutura urbana.
Figura 3 - Passarela Miguel Reale/Passarela Cidade Jardim, São Paulo, SP. Fonte: AECWEB, 2024.
Figura 4 - Esculturas em aço patinável em São Paulo, SP. (a) ‘O Quadrado, o Círculo e o Disco Fragmentado’, na Cidade Universitária, SP (acervo MAC/USP); (b) O ‘Monumento Porta de Abril’, no Largo Mestre de Aviz, SP. Fonte: Autor.
Construída com esse aço (Figura 3). Além disso, várias esculturas arquitetônicas em aço patinável são visíveis em espaços públicos, como a obra ‘O Quadrado, o Círculo e o Disco Fragmentado’, de Emanoel Araújo, pertencente ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP, e o ‘Monumento Porta de Abril’, do artista português José Aurélio, localizado no Largo Mestre de Aviz, no bairro Jardim Lusitânia (Figura 4, (a) e (b)).
Outro exemplo significativo é a Sede da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM), que atualmente abriga o Espaço Cultural Casa de Metal (Figura 5).
Figura 5 - Sede da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM), São Paulo, SP. Fonte: Autor.
As principais vantagens do uso de aços patináveis em aplicações estruturais são:
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Resistência à corrosão atmosférica superior à dos aços-carbono convencionais;
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Eliminação da necessidade de pintura, resultando em menor custo de manutenção;
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Aparência estética rústica e atraente;
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Sustentabilidade: 100% recicláveis e com menor impacto ambiental.
No entanto, alguns desafios e limitações devem ser considerados:
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Formação da pátina: A camada protetora de pátina leva de 2 a 3 anos para se formar, dependendo das condições ambientais. Fatores como ciclos de molhamento e secagem, umidade relativa, temperatura e poluição atmosférica afetam diretamente a formação e a eficácia da camada de óxidos (Pannoni, 2015);
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Sensibilidade a ambientes agressivos: Em atmosferas industriais altamente corrosivas ou marinhas, o desempenho dos aços patináveis é inferior ao esperado, sendo recomendada a aplicação de revestimentos protetores (Pannoni, 2015; Muñoz, 2022);
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Variabilidade de desempenho: O desempenho dos aços patináveis pode variar significativamente com base na localização e orientação da estrutura, mesmo dentro de uma mesma região (Morcillo et al., 2019).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os aços patináveis emergem como uma escolha eficiente e sustentável para aplicações estruturais. Sua capacidade de desenvolver uma pátina protetora reduz significativamente a necessidade de manutenção e pintura, o que os torna vantajosos para a construção civil, promovendo práticas mais ecológicas que estão alinhadas às exigências contemporâneas por soluções sustentáveis.
Além disso, a adoção desses materiais abre um leque de oportunidades para inovações no tratamento de superfícies, visando aumentar a durabilidade e segurança das estruturas sem sacrificar os recursos naturais. Ao promover a eficiência e a sustentabilidade, os aços patináveis não apenas atendem a uma necessidade imediata do setor, mas também ecoam uma visão de futuro em que o desenvolvimento econômico e a proteção ambiental caminham lado a lado.
Em suma, o uso de aços patináveis não só promove a sustentabilidade, como também aponta caminhos para inovações que atendam às exigências de um mercado em transformação, mantendo o foco na eficiência e redução de impactos ambientais.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa foi apoiada, em parte, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Brasil - Código de Financiamento 001. Os autores agradecem ao IPT pelo uso da estação de corrosão e ao MAC-USP pela autorização gentil para a coleta de amostras da escultura ‘O Quadrado, o Círculo e o Disco Fragmentado’.
REFERÊNCIAS
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AECWEB. Disponível em: https://www.aecweb.com.br/revista/materias/aco-patinavel-resistea-corrosao-atmosferica-e-proporciona-visualrustico/13996. Acesso em: 20.09.2024.
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MORCILLO, M.; DÍAZ, I.; CANO, H.; CHICO, B.; DE LA FUENTE, D. Atmospheric corrosion of weathering steels. Overview for engineers. Part I: Basic concepts. Construction and Building Materials, 213, p. 723–737, 2019.
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MUÑOZ, H. Comparação entre aço patinável e aço galvanizado como alternativas para o setor de construção. Tratamento de Superfície, 232, p. 49-52, 2022.
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PANNONI, F. D. Princípios da Proteção de Estruturas Metálicas em Situação de Corrosão e Incêndio. p. 100, 6 ed., Gerdau, 2015.
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PANOSSIAN, Z. Manual corrosão e proteção contra corrosão em equipamentos e estruturas metálicas. 1a ed. São Paulo: IPT, 1993.
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TRAVASSOS, S. J.; ALMEIDA, M.B.; TOMACHUK, C.R.; DE MELO, H.G. Non-destructive thickness measurement as a tool to evaluate the evolution of patina layer formed on weathering steel exposed to the atmosphere. Journal of Materials Research and Technology, 2019.
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TRAVASSOS, S. J.; TOMACHUK, C. R.; DE MELO, H. G. COR-TEN®: Uma história de 50 anos no Brasil. In: INTERCORR, RJ, Anais. 2016.
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TRAVASSOS, S. J.; TOMACHUK, C. R.; DE MELO, H. G. EIS Investigation and patina characterization of weathering steel exposed to each of the four seasons in the São Paulo metropolitan area. Electrochimica Acta, v. 325, 2019b.
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YAMASHITA, M.; MIYUKI, H.; NAGANO, H.; MISAWA, T. The long term growth of the protective rust layer formed on weathering steel by atmospheric corrosion during a quarter of a century. Corrosion Science, v.36, n. 2, p. 283-299, 1994.
BIOGRAFIA DOS AUTORES
Sandra de Jesus Barradas Travassos
Engenheira metalúrgica com Doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), com mais de 2 anos de experiência no setor industrial, atuando em empresas multinacionais e de grande porte. Possui ampla expertise nas áreas comercial, novos negócios, pesquisa, desenvolvimento, inovação industrial, marketing vendas, com foco no segmento de construção civil. Experiência comprovada em parcerias colaborativas com instituições de pesquisa e no desenvolvimento de soluções tecnológicas inovadoras para enfrentar desafios industriais. Reconhecida por suas contribuições ao setor e premiada por sua excelência acadêmica e profissional.
https://orcid.org/0000-0001-8115-764
Célia Regina Tomachuk
Química, Mestre e Doutora em Engenharia na área de Processos de Fabricação pela UNICAMP e pela Università Politecnica delle Marche, em Ancona, Itália, Pós-Doutorado em Corrosão pela Università degli Studi di Napoli ‘Federico II’, Itália, e pelo IPEN. Atualmente, é Professora Doutora na Universidade de São Paulo - USP, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Ciências Básicas e Ambientais. Tem experiência na área de materiais com ênfase em eletroquímica, revestimentos e corrosão.
https://orcid.org/0000-0002-3771-594
Hercílio Gomes de Melo
Engenheiro Químico pela Universidade Federal de Pernambuco (1985), com Mestrado em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (1994), Doutorado em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (1999), Doutorado em Eletroquímica - Université Pierre et Marie Curie (1999), e Pós-Doutorado no Centre Interuniversitaire de Recherche et d’Ingénierie des Matériaux (CIRIMAT), em Toulouse, França (2005-2006). Ingressou no Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP), no ano de 1990, como Auxiliar de Ensino, permanecendo nesse departamento até o final de 2014. Transferiu-se para o Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da EPUSP, onde permanece até o presente. Atua na área de Corrosão e Proteção de Materiais Metálicos, e possui os seguintes interesses de pesquisa: espectroscopia de impedância eletroquímica para estudo de corrosão e proteção, corrosão e proteção do alumínio e de suas ligas, revestimentos ambientalmente amigáveis, aplicação de técnicas eletroquímicas para o estudo da deterioração do patrimônio histórico, com ênfase em Cu e bronze, anodização do alumínio, resistência à corrosão de aços de alta resistência e baixa liga, fragilização por hidrogênio. Possui interesse específico na aplicação de técnicas eletroquímicas localizadas para estudo da corrosão.
https://orcid.org/0000-0002-9116-681X