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Anodização de alumínio: uma breve revisão


Especial AlumínioMatéria TécnicaTS 233 02 de fevereiro de 2023 | Por: Portal TS
Anodização de alumínio: uma breve revisão

Os custos e as consequências causadas pela corrosão de ligas metálicas são de grande importância e justificam o aprimoramento de métodos de proteção como a anodização. A anodização crômica ainda é o processo mais eficiente para aumentar a camada passiva formada naturalmente nos metais não ferrosos e, consequentemente, proporcionar o aumento de sua resistência à corrosão, porém, torna-se premente a busca pela substituição da anodização crômica por substâncias menos danosas ao homem e ao meio ambiente. Apresentamos, aqui, as pesquisas mais recentes nesse sentido.

 

 

 
Barbara Lois Mathias de Souza
Engenheira de Materiais pela FEG/UNESP, Mestre em Engenharia Mecânica pela FEG/UNESP, e Doutoranda na Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Engenharia de Materiais.
barbara.lois@usp.br
 
 
Elaine Bassanelli
Graduanda em Engenharia Química, Analista de Galvanoplastia na Liebherr Aerospace Brasil.
elaine.bassanelli@liebherr.com
 
 
Célia Regina Tomachuk
Química Industrial, Mestre e Doutora na Área de Materiais, Professora Doutora na Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de Lorena, Departamento de Ciências Básicas e Ambientais.
celiatomachuk@usp.br
 
 

RESUMO

O processo de anodização é de grande importância para as ligas de alumínio de uso aeronáutico, tanto como meio de proteção contra a corrosão, como para preparo da superfície e posterior aplicação de pintura. No entanto, utilizam eletrólitos contendo íons de cromo hexavalente que, apesar de eficientes, devem ser banidos do uso industrial devido às suas características poluentes e carcinogênicas. Até o momento, nenhum processo encontra-se disponível de forma a substituir completamente o processo de anodização crômica no que diz respeito à resistência à corrosão, além de não propiciarem aderência semelhante para os revestimentos aplicados. A proposta desta breve revisão é apresentar os parâmetros que vêm sendo empregados no processo de anodização à base de ácido sulfúrico-tartárico (do inglês, TSA) e selagem com eletrólitos contendo sais de cério, para melhorar a resistência à corrosão do alumínio e conferir propriedades de autorregeneração ao filme de óxido obtido.

 

ABSTRACT

The anodizing process is important for aeronautical aluminum alloys, both as a means of protection against corrosion, as well as for surface preparation and subsequent painting application. However, Cr6+-based electrolytes, although efficient, must be banned from industrial use due to their polluting and carcinogenic characteristics. To date, no process is available that completely replaces the chromic anodizing process in terms of corrosion resistance, in addition to not providing similar adhesion for the applied coatings. The purpose of this brief review is to show the parameters already used in the process of anodizing based on tartaric-sulfuric acid (TSA) and sealing in electrolytes containing cerium salts, to improve the corrosion resistance of aluminum and confer self-healing properties to the oxide film obtained.

 

Introdução

Entre as áreas de aplicação do alumínio podemos citar a indústria aeronáutica. Entretanto, devido à baixa resistência mecânica do alumínio de alta pureza, são utilizadas ligas do metal. O tipo de elemento de liga adicionado ao alumínio depende, fundamentalmente, da aplicação. Para o caso particular da aeronáutica são utilizadas diversas ligas com composições complexas, onde os principais elementos são o Zn zinco), Mg (magnésio) e o Cu (cobre). Essas ligas, que constituem as séries 2XXX e 7XXX, apresentam uma excelente relação entre resistência mecânica versus peso, o que permite maior economia de carga, menor consumo de combustível e menor desgaste. As mais utilizadas são a Al2024-T3 e a Al7075-T6 [1].

Enfatiza-se que, na indústria aeronáutica, os requisitos de segurança a serem atendidos por um determinado material são extremos, sendo inadmissível a ocorrência de falhas, principalmente devido a possibilidade de grandes perdas humanas envolvidas em potenciais acidentes.

Quando em uso, as aeronaves são submetidas a grandes mudanças climáticas em intervalos de tempo relativamente curtos, como exemplos típicos podemos citar: choques térmicos devido às diferenças entre as temperaturas no solo e em altitudes de cruzeiro, que podem ocorrer em poucos segundos; a variação do tipo de atmosfera entre o ponto de decolagem e de aterrissagem; incidência de raios ultravioleta; ademais, somam-se as tensões típicas a que são submetidos equipamentos de grande porte e com elevada resistência mecânica. Isto tudo induz a ciclos de expansão e contração tanto do substrato metálico como do próprio revestimento, além do acúmulo de contaminantes de natureza diversa. Essas variações, nas condições de exposição, diferem das aplicações convencionais de revestimentos, onde os equipamentos a serem protegidos são expostos a um mesmo tipo de atmosfera durante toda a sua vida útil.

As ligas de Al de alta resistência mecânica, utilizadas na indústria aeroespacial, possuem uma microestrutura complexa devido aos tratamentos termomecânicos aos quais são submetidas, apresentando intermetálicos, dispersóides e partículas endurecedoras [1]. A presença dessas partículas gera alterações na composição da liga de forma localizada e pode causar diferença de potencial entre as regiões anódicas e catódicas, levando à corrosão galvânica [2-4].

Uma das ligas de alumínio comumente usadas para aplicações estruturais é a liga Al7075, devido às suas propriedades, como baixa densidade, alta resistência, ductilidade, tenacidade e resistência à fadiga [5-7]; sendo amplamente utilizada em peças estruturais de aeronaves e outras aplicações de alta tensão [6, 8-9]. Isadare e colaboradores [6] analisaram o efeito do tratamento térmico nas propriedades mecânicas da liga Al7075 e relataram que os elementos de liga levam ao aumento da resistência como resultado do tratamento térmico de envelhecimento. Madakson e colaboradores [10] estudaram o efeito da anodização no comportamento corrosivo, nessa mesma liga, e concluíram que houve redução da taxa de corrosão.

A anodização consiste em espessar anodicamente a camada de óxido de Al [11-12]. Está bem estabelecido que os parâmetros operacionais de anodização – como: tipo de eletrólito, tensão, densidade de corrente anódica, temperatura, tempo de anodização e agitação –  afetam significativamente o revestimento anodizado [13-21].

Sendo assim, em um eletrólito ácido dedicado obtém-se um óxido com estrutura duplex, composto por uma camada espessa com poros de tamanho nanométrico, e uma camada barreira fina [13]. A camada barreira, de cerca de (1 a 3) µm de espessura, proporciona um aumento considerável na resistência à corrosão, pois bloqueia a entrada de umidade e sais, evitando, assim, o contato direto com o substrato de alumínio, enquanto a estrutura da camada porosa atua como uma excelente base para a adesão de primers e revestimentos orgânicos [13]. No entanto, essa estrutura microporosa do revestimento anodizado precisa ser devidamente selada para uma boa proteção contra a corrosão [22-26]. Compostos contendo íons de cromo hexavalente, como dicromato ou ácido crômico, são utilizados devido às suas propriedades inibidoras de corrosão [14]. A camada de óxido de alumínio anodizado também fornece proteção contra desgaste para o metal base [17, 27-29].

A anodização com ácido crômico (CAA) é utilizada na indústria do alumínio em geral e no campo aeroespacial, em particular, devido às boas propriedades anticorrosivas das camadas anódicas obtidas e, também, por ser um processo robusto [30-33]. Ressalta-se que, na indústria aeroespacial, vem sendo utilizada há mais de seis décadas, principalmente, em componentes estruturais [34-36]. Essa preferência justifica-se pela propriedade autorregenerativa proporcionada pelos compostos de Cr6+, que conferem uma excelente resistência à corrosão, pelo impacto relativamente baixo na resistência à fadiga das peças e porque a camada produzida oferece uma excelente base para aplicação de pintura [35], como já mencionado. No entanto, o íon cromo hexavalente tem a desvantagem de ser altamente tóxico e poluente ao meio ambiente e, além disso, oferece riscos ao ser humano por ser um agente cancerígeno [30-33]. Por esses motivos, em um futuro próximo, os tratamentos contendo Cr6+ deverão ser abolidos da indústria. A eliminação do íon cromo hexavalente deve ocorrer para substituir o processo CAA e na tecnologia de selagem [37-38]. O íon Cr no estado elementar e o Cr3+, no entanto, não têm esse mesmo impacto no organismo humano e no meio ambiente.

Diante desse contexto, este artigo visa mostrar o andamento das pesquisas sobre camada de anodização obtida em eletrólito contendo ácido sulfúrico-tartárico (TSA) e selagem com íons cério, alternativas consideradas promissoras ao Cr6+.

 

ESTADO DA ARTE

Anodização com ácido sulfúrico-tartárico

As principais alternativas à anodização com ácido crômico (CAA) baseiam-se em soluções de outros ácidos ou misturas destes [39-42].

A anodização em ácido sulfúrico-tartárico (TSA) tem-se mostrado um dos métodos promissores e ocorre quando uma camada aderente de óxido de alumínio é desenvolvida na superfície, pela aplicação de potenciais anódicos [43].

CAA selada com cromatos pode durar até mais de 1000 h em ensaio acelerado em câmara de névoa salina, atendendo ao requisito de número de pites por área [44]. Enquanto isso, TSA selado com soluções livres de íons Cr permanece menos de 500h [45-46], o que inviabiliza o seu uso em condições de trabalho severo, como em helicópteros ou aeronaves militares.

As linhas de pesquisa neste tópico podem ser agrupadas em duas abordagens: a primeira foca na anodização propriamente dita, estudando como modificar o eletrólito ou o mecanismo envolvido no crescimento da camada de alumina como via para otimizar as variáveis experimentais [47-51]. Já a segunda, é o desenvolvimento de um novo pós-tratamento de selagem para superar os resultados das tecnologias livres de íons cromo [52-57].

Recentemente, um processo de oxidação anódica, usando eletrólito contendo ácido sulfúrico-tartárico (TSA), foi desenvolvido e chamou muita atenção devido à sua eficácia. Comparado ao CAA, o eletrólito TSA é livre de Cr6+ e faz uso mais eficiente de energia e de água com muito menos geração de efluentes e emissões de gases. Além disso, a operação da TSA é mais simples e econômica em comparação com a CAA [58]. Estudos também mostraram que o ácido tartárico, como aditivo orgânico, pode não só reduzir a concentração de ácido sulfúrico, mas também melhorar a qualidade do filme anodizado. Além disso, o ácido tartárico residual, que permanece na camada porosa resultante, pode efetivamente reduzir a taxa de corrosão do filme anodizado sendo colocado em um ambiente ácido [59].

A anodização sulfúrico-tartárico (TSA), além de ser considerada ecologicamente correta, segundo alguns autores, resulta em camadas anodizadas com resistência à corrosão comparável às produzidas em CAA [60]. Segundo alguns estudos [61-62], a adição de ácido tartárico ao banho de ácido sulfúrico, embora não afete significativamente o mecanismo de crescimento da camada porosa, reduz a densidade de corrente de anodização. Presumivelmente, isso deve levar à formação de camadas porosas com espessuras menores, o que deve afetar positivamente a resistência à fadiga da liga anodizada em relação ao material anodizado em eletrólito contendo somente ácido sulfúrico.

Assim, a TSA ainda tem margem de melhoria. Empresas, institutos de pesquisas e universidades estão investindo importantes recursos para desenvolver novas alternativas. Recentemente, a tese de doutorado (2022): “Estudo de novos inibidores de corrosão e monitorização do processo corrosivo em materiais aeronáuticos e aeroespaciais, recorrendo a técnicas de análise incluindo ensaios não destrutivos” [63], resultado de uma parceria entre a Força Aérea Portuguesa (FAP) e a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), contando com a colaboração do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) e da Agência Espacial Europeia (ESA), deu um contributo importante para as indústrias aeronáutica e aeroespacial. Nesse estudo, ligas de alumínio foram tratadas com inibidores – obtidos de fontes sustentáveis – e comparadas com amostras anodizadas em um banho de anodização à base de ácido sulfúrico e ácido tartárico, que é utilizado pela AIRBUS (Europa) e EMBRAER (Brasil) [63]. Como resultado, foi possível identificar aditivos orgânicos com capacidade inibitória que, quando incorporados ao banho de anodização isento de Cr6+, aumenta a resistência à corrosão, tornando o processo sustentável e viável.

 

Selagem

A proteção contra corrosão dos filmes de óxido anódico pode ser melhorada com o pós-tratamento da camada porosa anodizada, conhecida como selagem.

A selagem convencional é realizada com água quente, sal de níquel, silicato de sódio ou sal de dicromato [64-65]. Estudos recentes, de García-Rubio e colaboradores, com pós-tratamentos de camadas anódicas obtidas em eletrólitos de ácido sulfúrico-tartárico, mostraram que a selagem com dicromato pode fornecer proteção aprimorada devido às espécies inibidas de Cr6+ presentes nos poros [66].

Geralmente, as peças anodizadas são armazenadas antes do seu uso e da sua aplicação de acabamento [67]. Para proteger o material contra a corrosão durante esse período, é aplicada uma camada de primer, que também serve como elo entre o substrato anodizado e o revestimento orgânico aplicado na etapa de acabamento. Pós-tratamentos à base de íons Ce (cério) estão entre os substitutos mais promissores para ligas de Al [68].

Os trabalhos iniciais sobre a proteção contra corrosão de ligas de Al por inibidores de corrosão à base de Ce foram realizados por Hinton e colaboradores, em meados dos anos de 1980, na Divisão de Materiais dos Laboratórios de Pesquisas Aeronáuticas da Austrália [69-71]. No entanto, esses trabalhos relataram um tempo de imersão relativamente longo para formar uma camada de conversão espessa e protetora [72].

 

Selagem com sais de cério

Duas abordagens principais têm sido utilizadas para obter a proteção contra corrosão de ligas de Al por meio de compostos de íons Ce: sua aplicação direta sobre o substrato (camada de conversão), como sugerido por Hinton e colaboradores [73-74]; e a incorporação de espécies de Ce em sistemas de proteção mais complexos.

Hinton e Wilson [72], em seu trabalho sobre a produção de camadas de conversão à base de íons de Ce por meio de ensaio de perda de massa, demonstraram que o aumento da temperatura do banho não afetou significativamente as propriedades protetoras. Já Dabala e colaboradores [73] relataram resistência à corrosão superior da camada de conversão à base de íons de Ce quando a temperatura do banho de conversão foi aumentada para 50 °C. Embora particularidades, como composição da liga e do banho de conversão, possam ser relevantes para a determinação das condições otimizadas, vários trabalhos que investigaram o comportamento à corrosão dessas camadas foram realizados em temperaturas próximas a 50 °C [74-75], isso parece ser um compromisso entre maior eficiência e vida útil prolongada do banho, pois o H2O2 é sensível à decomposição térmica em solução aquosa.

De acordo com Bethencourt e colaboradores [74], o aumento da temperatura do banho favorece o desenvolvimento do filme de alumina sobre a matriz metálica, melhorando as propriedades protetoras da camada de conversão. No entanto, trabalhos recentes também relataram propriedades anticorrosivas aprimoradas para essas camadas de conversão à base de íons Ce obtidas à temperatura ambiente (próximo de 25°C) [76-77]. Portanto, parece não haver um acordo completo na literatura sobre a temperatura ideal do banho para a obtenção de uma camada de conversão à base de íons Ce.

Outra questão relevante é a de que, até o momento, essas camadas de conversão foram obtidas usando ligas de Al como substrato. Na literatura, poucos trabalhos empregaram uma etapa de pós-tratamento utilizando sais de Ce para melhorar a proteção contra corrosão de ligas de Al anodizadas.

Os procedimentos experimentais envolvem a imersão das amostras anodizadas em banhos contendo íons Ce por tempos variados, seja na temperatura de ebulição [78], em um procedimento semelhante à selagem hidrotermal clássica, ou em temperaturas bem abaixo desse valor (variando de temperatura ambiente até 50°C) [79-84]. Todos os estudos relataram que o pós-tratamento à base de Ce melhorou as propriedades protetoras da camada anodizada e alguns deles descreveram habilidades de proteção contra corrosão melhoradas ou semelhantes quando comparadas com procedimentos de vedação à base de cromato [79-84].

 

PESQUISA PATENTÁRIA

Uma pesquisa patentária, com o intuito de identificar as patentes relacionadas à anodização de alumínio, foi realizada. Entre os resultados está a patente internacional WO/2013/117759 intitulada: “Method for anodizing parts made of an aluminum alloy” [85]. A título de exemplos comparativos, peças idênticas foram submetidas às mesmas operações de preparação de superfície, sendo anodizadas de acordo com os métodos convencionais de anodização crômica, anodização sulfúrica e anodização sulfúrico-tartárico (Tabela 1).

A Tabela 2 cita parâmetros utilizados na anodização sulfúrico-tartárico, TSA, para diferentes ligas de Al publicados em artigos, no período de 2019 a 2022.

 

Tabela 1- Parâmetros utilizados nos diferentes tipos de anodização apresentados na Patente WO/2013/117759 [85]

 

Tabela 2 – Parâmetros utilizados na anodização sulfúrico-tartárico (TSA) para diferentes ligas de alumínio, publicados em artigos científicos

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta breve revisão de literatura mostrou que esforços vêm sendo dispendidos para encontrar um substituto ambientalmente amigável para a anodização e selagem, isentos de Cr6+. A anodização sulfúrico-tartárico (TSA) é um processo inovador e totalmente voltado para atender as diretrizes ambientais, e a selagem com sais contendo cério é uma alternativa em potencial. Amostras obtidas com essas propostas promissoras devem ser comparadas com as obtidas em escala industrial pelo processo de anodização crômica e hidrotermicamente seladas. Nesse contexto, acredita-se que o desenvolvimento deste estudo contribuirá de forma positiva na viabilização da anodização TSA como alternativa à crômica.

 

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à empresa Liebherr Aeroespace Brasil (Processo 21.1.337.88.1), pela parceria, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo 88887.670674/2022-00), pelo apoio financeiro.

 

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